segunda-feira, 14 de abril de 2008

Confidências da juventude: Katy !



Katy...


Acabara de chegar ao Luxemburgo, um país frio, mas livre. Deixara para trás o meu perdido nos meandros de uma revolução usurpada, manipulada...

Com o sonho universitário bem vivo, comecei a trabalhar como " garçon ", encontrando pessoas, aperfeiçoando o francês e o inglês, -línguas que estudara no liceu - e ganhando, além do salário, umas gorjetas que as " madames " me deixavam no prato ou me metiam no bolso para me agradecer o sorriso e a gentileza com as acolhia e servia, quando não era pelos minutos passados a escutar os seus desabafos, sempre espiado por um patrão muito ciumento.
Tinha 21 anos, cabelos encaracolados " beau gosse " - belo moço - como dizem as francesas.

Na minha terceira semana de trabalho, meados de Fevereiro de 1976, o patrão decidiu empregar mais uma pessoa para ajudar na cozinha. Eram 10 horas quando entrou uma loira, bem descomplexada, com um sorriso nos lábios! O patrão não precisou de mais: engajou-a logo, pensando que seria mais uma que " comeria " facilmente. Ele, antigo boxista, com os seus 110 quilos pensava impressionar toda a gente.
Ao meio-dia, Katy, assim que se chamava a " demoiselle " já enchia copos, sob os olhares dos serventes, que se apinhavam à sua volta como moscas numa gota de mel.
Adriano, um português poliglota - falava oito línguas - com ares de Che Guevara, ria-se como um perdido e repetia-lhes:
__ Cão que ladra não morde.
No hotel, a par do " Che " , que se encarregava da patroa, apenas um " garçon " se limitava a sorrir, e sempre de bem longe, à Katy: eu, o " estudante ", ou doutor como muitos se apraziam a chamar-me, pois quase sempre conseguia o que queria: mesmo 4 horas para ir jogar futebol ao domingo. Condição que o patrão não me conseguiu recusar, depois de - logo 1º dia - se ter apercebido como eu, sem nunca ter trabalho e com poucos dias de Luxemburgo, tratava os clientes, sobretudo as " meninas " que estudavam no colégio das freiras, mesmo em frente do " wimpy " - Hotel du Luxembourg, na cidade Patton - general americano e herói da 2ª guerra mundial - , nome dado à Ville d'Ettelbruck, a porta das ardenas, donde os americanos lançaram a ofensiva para a " Bataille des Ardennes " que decidiria, na Europa, o último conflito mundial.

Ao 3º dia de trabalho da Katy, eu vi entrar uma criança muito loirinha, um amor de menina, acompanhada por uma senhora. Estava de serviço, fui recebê-las. Inexplicavelmente a loirinha agarrou-se a mim e quase me beijou. Sentei-a numa almofada e preparei-me para anotar a encomenda. Pelo espelho lateral, apercebi-me que Katy lhes sorriu e acenou discretamente.
Fui encomendar os sumos e aguardei que ela preparasse as bebidas. Os seios dela quase saltavam do sutiã: que tentação! Logo comecei a sentir um tesão, bom, ainda bem que o casaco branco me dava quase pelo joelho...
Ao pegar nos copos murmurei:
__ Não me importava de ter uma filha como aquela loirinha!
__ Sério?
__ Quem não gostaria?! Até tu, Katy!
__ Eu?!
__ Sim, não me digas que não gostas de crianças? Pelo pouco que já vi e entendi, eu sei que vós, os luxemburgueses, gostais mais de cães do que de bébés...
__ Vá, leva os copos aos clientes!!!
Ao virar-me vi que a criança sorria e acenava na minha direcção!
Dois minutos depois, Katy veio beijá-la: era a filha dela!

Os dias passaram-se, e os rapazes não a largavam! Só faltava beijar-lhe os pés: para eles, Katy era uma deusa! Adriano, psicólogo ria-se e empiscava-me. Quando queríamos que os outros não entendessem nada, falávamos em inglês. O " Che " era um ser excepcional, apesar de ser " camarada " e eu lhes andar com " ganas " - pois temia o pior pelo meu futuro, um pressentimento que se revelou certeiro anos mais tarde - nós entendíamos maravilhosamente, não pelo facto de ambos sermos ou termos sido estudantes, mas porque tínhamos e respeitávamos os valores da amizade.

Na véspera de carnaval, decidi passar ao ataque com uma frase em luxemburguês, que o Adriano me ensinara na véspera.
__ Podes traduzir-me uma frase, Katy?
__ Claro, diz!
__ Wells du mat mia Puppen?
__ Estás a falar a sério?
__ Sim, porquê, o que quer dizer, Katy?
__ Queres fazer amor comigo ?!
__ Mas... estás a traduzir ou a fazer uma pergunta?
__ Ambas !!!
Não respondi! Surpreendi-a com um beijo na boca que a deixou sem fôlego e fez do seu sorriso um arco-íris!

Na madrugada de Carnaval, depois de mais de 10 horas de trabalho, Katy convidou todo o mundo para ir o quarto dela descontrair um pouco. Falámos de tudo e de nada e rimos como malucos.
Descontraida e alegre, Katy não se protegia e os rapazes podiam cobiçar-lhe as coxas, os seios, ver-lhe quase o slip, enfim, presa fácil. Ui que tentação!
Que não dariam eles para ficar com a bela?

Às 5 da manhã, Katy teve que mandar todo o mundo embora, pois às 10 havia que começar as pôr as mesas. Num segundo os nossos olhares disseram tudo, mas eu fingi que não tinha entendido nada e fiquei para último. Ao atravessar a soleira da porta, senti a mão de Katy agarrar a minha, enquanto acenava aos outros, que desapareciam desconfiados no corredor.
Depois, foi fechar rapidamente a porta à chave e cair abraçados na cama para saciar a fome que o desejo que aqueles dias de espera tinham acumulado nos nossos corpos endiabrados...

Dois dias depois, o patrão, informado do ocorrido por um invejoso, quis obter os favores de Katy, que se casaria pela 2ª vez quinze dias mais tarde.
Rejeitado, o cobarde telefonou ao noivo a avisá-lo do sucedido e na hora Katy lhe exigiu que lhe pagasse o que lhe devia, não trabalhando nem mais um segundo para tal " buçal ". Eu fiquei constragido, mas ela, sorrindo orgulhosa, disse:
__ Ne t'en fais pas, Louis! ( Não te preocupes, Luís! )

Nessa noite, dormimos no Hotel Herckmans, onde trabalhavam 3 portuguesas que sorriram ao entregar-me a chave do quarto...
Katy jurou-me que desistiria do casamento se quisesse ir viver com ela. Mas não, o meu desejo não conseguiu derrubar as barreiras e as convenções sociais.
Ao deixá-la insistiu para que fosse ao casamento dela para me oferecer a noite de núpcias, pois o marido - depois de uns copos de cerveja e de champanhe, dormiria como uma pedra.
Claro que não aceitei, mas fui visitá-la meses depois ao hotel onde ela trabalha, na Alemanha, do outro lado do rio Sûre.


Depois, só a voltei cruzá-la mais uma vez! Tinham passado 2 anos, estava à boleia quando senti um carro travar nas minhas costas.
__ Entra, Luís !
__ Olá, Katy! Tudo bem?
__ Mais ou menos...
A viagem demorou 10 minutos, silenciosos, contemptivos.

Durante o trajecto pensei no romance que poderia ter escrito com ela, mas Katy não me estava destinada... Ela teria direito apenas a umas linhas no livro da minha vida!
Até hoje, e já lá vão 32 anos, nunca mais nos cruzámos...



LMP - Lud MacMartinson - Luxemburgo 2005

domingo, 13 de abril de 2008

Conto erótico: Serge & Karen !


Oi...
este é um conto erótico " HotX" !

Se for demasiado sensível ou puritano, preserve-se, pois pode entrar em combustão acelerada ou morrer alagada num desejo profano... mas,se mesmo assim, quiser chegar ao fim, opine livremente!


Mundos recônditos:
Karen & Serge


Sexta-feira chegara de surpresa. Atarefado como andava, Serge mal tivera tempo para o amor naquela semana. Ele, que gostava tanto de solidão, decidira ir a uma discoteca para descomprimir e satisfazer o seu instinto caçador : conquistador nato, Serge era um sagitário apaixonado, insaciável e impaciente.

A noite descia sobre a baía !
O pôr-do-sol fascinou-o. Um clarão vermelho vindo dos lados do poente, fê-lo mudar de direcção.
Eufórico, fez rodopiar o seu Bora Sport no asfalto, seguiu rua abaixo e, decorridos uns quatrocentos metros a meio gás, foi estacionar a viatura no único lugar sombrio, meio encoberto pelas falésias. Antes de sair, abriu o espaço do acende-cigarros e tirou uma amostra de aramis, um perfume muito inebriante, que a filha lhe trouxera da perfumaria onde fizera o estágio, espalhando-o apressadamente por onde pôde. Olhando-se ao espelho, para alisar os raros cabelos do seu crâneo pensador,viu que ainda tinha a gravata de serviço. Tirou-a à pressa e colocou-a no banco do lado.

Fora do carro, espreguiçou-se e, respirando fundo, olhou o horizonte rubro. Sem saber porquê, esboçou um sorriso e falou para com os seus botões, confiante:
« Hoje vais tirar a barriga de misérias, meu menino! »

As gaivotas pipilavam ainda ! Quase não lhes deu ouvidos, ele que adorava tanto falar com elas e saber o porquê daqueles gritos de carpideiras com que elas gratificavam a sua alma solitária.

Depois de uns dez minutos de mística contemplação, em se perdeu inadvertidamente, Serge espevitou os neurónios e deu uma corridinha até à « Buterfly a discoteca onde decidira passar umas horas, se o ambiente não o deseperasse.

Na porta da discoteca, pegou em dez euros e entregou-os ao porteiro, deixando o troco como gorjeta. No interior, havia ainda poucas pessoas. Decidiu olhar os quatro quantos da caverna, espreitando discretamente aqui e ali com aquele olhar de lince que o caracterizava.
Nada retendo a sua atenção, voltou para o bar e pediu um Swepps Bitter Lemmon, uma das suas bebidas preferidas, já que em alcool raramente tocava.

Inconfortável no banco, pegou no copo e foi sentar-se num recanto discreto, donde podia controlar quem chegava. Como nada o despertasse, deixou-se embalar pelos « feelings » a canção que o DJ acabava de pôr no ar e, pegando no cartão onde pousara o copo, começou a gatafunhar.
Absorvido em endofasia com a musa, e nem viu o tempo passar. Quando veio a si, deu com os olhos numa « lady » e sorriu instintivamente, sem saber porquê. E, para seu espanto, viu a belade devolver-lhe o seu sorriso com um briozinho nos olhos.
Que soriso mais lindo, santo Deus !
« Hum, a noite promete ! » repetiu mentalmente.
Karen, a estranha, há muito que observava o homem distraído.
« O que estará a pensar aquela cabecinha ? Que estará ele a escrever naquele pedaço de cartão ? –perguntava-se, intrigada, curiosa.
Karen era uma excibionista, o tipo de mulher-furacão que adorava criar conflitos.

Tentadora, aproximou-se do solitário e apresentou-se :
— Olá ! Boa noite ! Eu sou Karen e gostaria de acabar com a sua solidão. – disse ela, sem rodeios.
Ele corou ligeiramente e, sorrindo, respondeu :
— Olá, Karen ! Eu sou o Serge ! Obviamente que o prazer será todo meu, se tão encantadora lady se dignar fazer-me companhia por algumas horas. Quanto à solidão não creio que ela possa acabar assim tão depressa…

Karen foi surpreendida: aquela voz suave seduzia-a.
Sentido a bela vacilar, Serge pensou para com os seus botões « a noite promete ! »
O empregado aproximou-se e Serge pediu champanhe, para principar a noite.
Karen estava deslumbrante com o seu vestido vermelho que lhe marca as formas do corpo. Serge começava a pensar que gostaria de lhe tirar aquele vestido o mais rápido possivel. O seu olhar felino era um autêntico raio X.
Mulher que ousasse afrontrá-lo teria que ser exibicionista, streapper ou muito louca. Entretanto sentiu qualquer coisa na perna, como se fosse um bicharoco : era o pé da Karen que subia e descia, roçando na perna dele. Serge baixou instintivamente a mão entre as pernas para acalmar a tumescência irreverente e sorriu de soslaio, mas a amazona aparou-lhe o sorriso à flor da mesa e suspirou baixinho.
Karen conhecia muito bem os efeitos devastadores do seu poder de sedução sobre os homens e sentia um prazer megalómano em sustentar este jogo com os machos, para lhes dizer que, afinal, quem mandava era ela, pelo menos enquanto as suas taras e manias não fossem saciadas plenamente. Depois a história até poderia ser outra e, de deusa e rainha, Karen viraria escrava, se ele soubesse domá-la do jeito que ela tanto queria.
" Seria ele capaz ? " – perguntava-se Karen, curiosa e terrivelmente excitada.

Retomando a pose, Serge estendeu a mão esquerda sobre a mesa como que a perdir que lha pregasse. Ele queria ser a presa fácil para domar a predadora.
Karen viu o movimento, mas fez-se despercebida, preferindo continuar a sua viagem exploradora até à virilidade do seu cavaleiro. Aproveitando uma distracção deste, ela desabotuou os dois últimos botões do vestido, para se sentir mais fresca, pois o ambiente torna-se cada vez mais tórrido e ensurdecedor.

Entretanto, servidos pelo barman, eles ergueram os copos, sorriram e tocando-nos num jeito subtil, murmuram instintivamente, em uníssono :
— À nossa !
A coincidência fê-los soltar uma barbalhada. Descontraidos por sorriso cúmplice, até o champanhe teve outro sabor. Olhando-se de fugida para esconderem a atracção e o fascínio mútuo, em perfeita sintonia, eles tinham a impressão de já se conhecerem há uma eternidade.
__ Você lê os pensamentos, Serge? – inquiriu Karen, ligeiramente corada.
— Não, que eu saiba ! Mas porque me pergunta isso, Karen .
— Evidência e 6º sentido, meu caro!
— Ah! Isso poderia dizer eu de si, madame ! Até porque, que eu saiba, só as mulheres possuem esse 6º sentido. – arguiu ele, jovial, mordendo ligeiramente a língua em desafio.
— A modéstia é uma grande virtude e muito rara nos tempos que correm, Serge !
— Que eu adoraria possuir, Karen !
— Pois…, estou a ver…
— Está a ver que está diante de um egoísta, não é ?
— Provavelmente… Desculpe, não quis dizer isso ! Sinceramente, no penso que você seja assim tão egoísta, mas se você o reconhece, já não é nada mau ! – adiantou Karen, tentando disfarçar a pertutbação que começava a sentir.
— Pois… que fazer ?! Ninguém é perfeito ! – anuiu ele, naturalmente.

A lady corou, pensando para com ela: “ sedutor, persipcaz, humilde… Nada mau para um homem só! Ou será jogo dele ? Não, ele não é do tipo jogador de poker ! Não, eu conheço muito bem os homens : não é no bluff que este ganha o jogo ! »
Algo parecia estar a acontecer com a amazona…

Karen depressa se recompôs e, metendo o dedo no copo do champanhe, levou o dedo entre a pernas sem tirar tirar os olhos de Serge, para lhe dizer que quem mandava era. Ele pensou:
« É mesmo atrevida! Não sabe o que a espera. »
Para ele, não havia tabus e na cama tudo valia, menos tirar olhos.

Karen desejou dançar aquela musica, aquele slow que tocava no momento feelings. Bastou um olhar mais profundo e ei-los que se dão as mãos e partem agarrar-se na pista de dança.
Extasiados nos braços um do outro e, embalados pelo melodia daquela musica divinal, perderam a noção do tempo e do espaço, esquecendo-se completamente do sítio onde estavam.

Submersa por um súbito fluxo de tesão, Karen deitou a cabeça sobre o ombro de Serge, colando-se-lhe completamente no corpo como uma lesma sedenta. Ele, pressentindo os desejos da fêmea no cío, fez questão de marcar o terreno e lhe encaixar entre as pernas o membro dele completamente erecto.
Karen não resistiu e foi cedendo aos impulsos furiosos do pénis irrerente que lhe pôs rapidamente a vulva em delicioso pranto.

Sabendo-se dono de todo o tempo da mundo, Serge foi tacteando a presa de de alto a baixo, ora lhe passando a mão pelos flancos, ora lhe fazendo sentir os seus dedos colados entre as espáduas, onde a deusa fizera tatuar uma borboleta !
Aninhando a cabeça no peito do seu cavaleiro, Karen deixou-se seduzir e deleitar pelo delicioso perfume, que parecia sair como o vapor de um vulcão por entre os pêlos do torax viril.
Sentindo a música terminar, Karen sugeriu baixinho :
— E se fôssemos apanhar, Serge?
— Boa ideia, Karen ! Realmente aqui está muito calor!
— Okay, vamos!
E, dando-se as mãos, sairam apressadamente da discoteca.
— Vamos até à praia ? perguntou Karen !
— Porque não? Vamos !
Partiram no no carro da Karen a toda a velocidade.
— Vai mais devagar, por favor ! – implorou ele, receoso.

Serge ainda entusiasmado, aproxima-se dela e,devagarinho,começa por meter os dedos esguios e suaves entre as pernas de Karen, que logo dá um jeito para se sentir mais confortavél. Decidido, o explorador continua a viagem pelas coxas e puxa a calcinha para o lado, conseguindo penetrar naquela mata a gotejar libido, como gotas de orvalho matinal, quando o sol as faz derreter e caem ao chão.
Segurando o volante e olhando em frente, Karen fazia sepentear o corpo ao sabor da paixão que Serge despertava nela. Porém o tesão foi mais forte, avassalador e obrigou-a a encostar o carro à berma, não fosse perder as estribeiras e despistar-se. Sentindo-a desvairada, Serge diz-lhe :
— Quero comer-te,Karen, posso ?
A resposta foi óbvia, explícita :
— Devora-me ! – disse langorosa,mordendo a língua e fazendo um trejeiro deveras provocante.
Faminta, deitou-se no carro sem tirar o vestido e abriu bem as pernas.
Obcecado pelas coxas luzidias, Serge derreou-se e foi descendo até encontrar algo que lhe pareceu uma cereja vermelha e rija, mas muito suculenta . Esfomeado trincou-a e saboreou-a com uma vontade de leão, enquano ela o gratifica com suspiros, uivos e gritos selvagens, que a incomodidade e a exposição do lugar lhe permitem saciar sem rodeios.

Dando de olhos ao seu domador, Karen recompôe-se e partiu na direção da praia. Serge olhou-a de soslaio e, pensando tratar-se de uma manobra de diversão da irreverente, pensou:
« Hoje, serás minha, custe o que custar ! »
Durante o precurso, o macho, sentindo-se o seu orgulho ferido, ficou meio amuado e silencioso. Maliciosa, Karen decide animá-lo e, segurando o volante com a mão esquerda, colocou-lhe a direito entre as pernas para sentir o tesão daquele pau erecto ! E quanto mais o acaricia, mais ele parecia debater-se contra o tecidoque o mantinho prisioneiro.

Serge contorcia-se, deixa,do-se apalpar.
Mal estacionou o carro, Karen não resistiu mais à tentação e, correndo o fecho das calças, libertou aquele pénis gostoso, que lhe encheu a mão e lhe fez arregalar olhos. E, baixando-se, pressionou-o para que a glande rosada a deixasse estonteada e de cabeça perdida. Depois de a lamber e puxar vertiginosamente, ela engoliu-a bem fundo, ameaçando comê-la de uma só vez.
Serge assustou-se, mas resistiu para não dar parte de fraco e ajudou-a, pressionando-lhe a cabeça para que ela o comesse à vontade.
Ela não resistiu e, chupando-o violentamente como uma esfomeada, fê-lo perder o tino e explodir torrencialmente.

Aquilo parecia um sorvete de creme a jorrar para dentro da boca da Karen, que o saboreava com toda a pericia da fêmea acostumada a tal alimento. Esvaziado e espremido até à última gota, foram até à beira mar. A noite de lua cheia estava amena. Depois de se despirem mutuamente com a fúria selvagem de animais no cío, entraram dentro da água. Molhados, felizes, navegaram dentro do abismo do jogo da sedução mais uma vez.

Serge pediu a Karen que lhe mostrasse se era tão boa amazona como parecia. Ela não se faz rogada e, abrindo com os dentes o preservativo que ele tirara do bolso das calças e guardara discretamente na mão, baixou-se para lho colocar. Depois saltou para em cima dele, enterrando aquele pau todo na vagina encharcada e em lamúrios ululantes. Ora cavalgando ora troteando sem parar, ela virou-se ao contrário, de lado, de frente, de todas as maneiras possíveis e imagináveis, sempre a subir e a descer na estaca do prazer. Serge ficou louco com tamanho tesão e, vendo os seios balançar, agarrou-os e chupou-os freneticamente, enquanto ela se consolava furiosamente, enterrando aquele maravilhoso apêndice na vulva delirante.

Agraciado e deleitado com aquela enxurrada de ondas deleitosas que emanavam do seu pénis indómito e, propagando-se pelo corpo lhe electrizavam a alma, ele ia descobrindo uma resistência até alí nunca suspeitada. Num ápice, ainda pensou se ela não o teria drogado, mas, revendo mentalmente aquela noite e a cena do champanhe, não se lembrou de nenhum gesto ou trejeito suspeito.
Prisioneira da febre viril, que ora a lhe chupava os mamilos e a mordiscava onde podia e ora lhe cravava as mãos nas ancas para imprimir mais força ao vaivém, Karen ia-se derretendo e esvaziando a fonte genital em jorros orgásmicos que se misturavam com o suor másculo. Para enlouquecer e ritmar ainda mais aquela sinfonia irracional, a ninfa ia soltando uivos e gemidos de loba que mal chegavam a ecoar, tamanha era a pressão que ela exercia sobre os lábios lambuzados pelos beijos molhados que haviam trocado durante a noite.

Satisfeita e, apercebendo-se que, por mais que malhasse não conseguiria que ele se esvaziasse novamente , ela beijou-o demoramente e cochichou :
— Nada mau para começar ! Tchut, não digas nada ! Adorei !
Serge sorriu e, liberto, ergueu-se, correndo a enfiar-se nas ondas, para limpar aquele suor peganhoso e o odor que a femea lhe colara e incrustara no corpo.
Previdente e atenta ao menor detalhe, Karen recebeu-o com uma toalha e ajudou-o a secar-se, estendendo-lhe em seguida as cuecas e as calças, que ele vestiu rapidamente.
Pouco depois já desapareciam na noite rumo ao hotel onde Karen costumava acabar os seus rituais.

Entrando pelas traseiras, subiram discretamente à suite 222, que ela reservara para aquela fim-de-semana. Serge limitou-se a seguí-la como bom escravo que ela pensava que ele era.

No elevador, mal se olharam, como se ambos estudassem uma estratégica. Abrindo a porta do quarto e acendendo as luzes laterais, Karen foi-se despindo e deixando as peças de roupa espalhadas pelo chão até ao quarto de banho.
Serge fez vista grossa à desleixada e foi admirar a orla costeira, contra a qual as ondas se vinham fracassar.
— Então, meu coco doce, é para hoje ou para amanhã ? – inquiriu ela, batuchando na espuma da banheira.
— Oi, desculpa, Karen, mas quando o olho o mar, nem vejo tempo passar ! – arguiu ele, jovial.
— Deixa-te de lirismos e vem logo, ai que fome !
Serge não lhe respondeu. Respirando fundo, fechou a porta do balcão e despiu-se perto do guarda-fatos para deixar a roupa pendurada e arrumadinha. E, espreitando sorrateiramente para o quarto de banho, deparou com a bela de olhos fechados a deleitar-se na espuma que ora passava nos braços, nos seios e nas pernas, ora fazia voar com um sopro.

Ele, tal bailarino, colou-se-lhe por trás e, enfiando lentamente os dedos esguios na água, agarrou-lhe os seios e começou a lamber-lhe as orelhas e o pescoço, fazendo-a arrepiar-se e contorcer-se. Mantendo-a inerte, Serge prosseguiu a viagem langorosa até aos lábios para que as suas línguas se limassem e se apostrofassem, antes de iniciar um bailado obscuro, mas reluzente de desejo nas suas bocas.
E a tumescência fê-los enroscar-se loucamente na banheira onde se massagaram, lamberam, chuparam e mordiscaram freneticamente como dois lobos esfomeados, fazendo os seus corpos perder as estribeiras a morrer de tesão. Apesar do cío da volúvel, ele não deixou que ela lhe enfiasse o pénis erecto na vulva ululante e fugiu para o quarto, fazendo-lhe uma careta, mostrando-lhe o mendinho e segregando irónico:
— Vai apanhar no cú !
Karen ficou fula e correu atrás dele, salpicando o quarto banho de água e deixando as suas pegadas por onde passava. Serge mal teve tempo de sentir o empurrão furioso a estatelá-lo sobre e edredon, onde se debateram como leões, ora mordendo-se ora beijando-se como loucos por onde calhava.
Foi então que ele decidiu usar a força e, aproveitando um balanço da fera, fê-la rodopiar e ficar de barriga, de nadegas bem empinadas para o ar.
— Pst ! Fica tranquíla, bichona assanhada ! – ordenou ele, peremptório, dando-lhe duas palmadinhas na bunda.
— Ai que bom ! Hum, mais forte, isso fustiga e come essa bichona esfomeada, isso ! – apoiou ela, contercendo e metendo o dedo na boca.

Serge, saltou para cima dela e, retendo-a entre os joelhos, começou a fazer-lhe massagens ao longo da coluna vertebral e nas espáduas, enquanto lhe lambia e mordia as orelhas e o pescoço. Depois, aos poucos foi recuando e beijando e lambendo-lhe os flancos e as ancas até chegar perto da fenda vaginal, que abriu com os dedos e começou a beijar, lamber e mordiscar, para deleite da presa.
— Ai que bom ! Isso, chupa-me o grelo ! Ai que gostoso! Ai ! Ui que gozo ! Isso, continua, isso, lambe-me toda, isso ! Podes ir até ao cuzinho… Hum que sensação! Isso, assim, ai… Ui… - exclamava ela, contorcendo-se de prazer e tentando agarrar o pénis, que ele ia entesando com a mão.
Depois de a lamber e de a chupar, ele foi-lhe introduzindo os dedos, um após outro na greta, fazendo-a vir-se em jorros deleitosos que se espalharam pelo edredon. Cego, Serge fê-la virar-se, de modo a ficar em 69, para que ela lhe chupasse o pau furibundo. E durante mais de 5 minutos, eles não se cansaram dessa posição, até que Karen, parou para ir buscar um lubrificante parecido com vaselina e lho estendeu langorosamente, indo em seguida meter-se-lhe à frente, de gatas, com o cú bem empinado, para que ele a possuísse por detrás.

Serge, percebendo-lhe os desejos, pegou na pomada e, depois lhe untar a entrada fecal, introduziu-lhe o dedo no anus, sem que ela soltasse o menor gemido. Foi então que, sentindo-a pronta, ele enfiou rapidamente a capota e lhe abeirou o penis da vulva para que ela o segurasse, não fosse enganar-se de buraco.

Sentindo-se bem colado e pronto para o ataque, ele começou a penetrá-la, desferindo-lhe estocadas tão profundas que a faziam gemer e abrir a boca, mantendo um dedo no anus para o golpe fatal, quando sentisse o ponto de não retorno quase eminente.
De repente, sentindo-a decontrolada, Serge deu-lhe duas palmadelas mais fortes e enfiou-lhe duma vez e bem até ao fundo o pénis no cú, fazendo-a uivar deseperadamente de raiva e de prazer :
— Ai… Ai… Isso, fode, arrebenta-me seu cabrão ! Ai que caralho. Ui que bom !
Serge, compenetrado a segurar os quadris por debaixo, mal a ouvia.
Foi quando, sentindo-o acelerar o rítimo e pressentindo a explosão eminente,Karen suplicou :
— Não botes essa porra toda aí, ouviste ? Por favor, deixa-me beber um pouco desse leite gostoso!
— Logo há mais...ai... ai…que gostoso…ai… - gritou ele, retirando o pénis do anus e libertando-se para que ela lhe oferecesse os seios.
Foi então que puxando o preservativo, ele a regou de sémen e lhe ofereceu o pau para que ela o enfiasse na garganta e lho chupasse até à última gota.

Depois, agarrando-se e colando-se, beijaram-se e sorriram aliviados,antes de irem recuperar forças, comendo os hotdogs e bebendo o champanhe com o sorvete que estava no frigorífico.
Saciados, Serge não resistiu e foi passar mais uma água e um champu pelo corpo para se sentir mais fresco e limpo para o que desse e viesse, pois o previsível incêndio da madrugada ameaçava reacender-lhe o fogo da paixão e consumi-lo novamente. Quando Karen decidiu imitá-lo, já ele secava a cabeça.

Durante uma hora quase não se falaram, deixando seus olhares e suas mãos perderem-se pelas margens dos seus corpos em paisagem natural. Sorrisos e carícias ligeiras pautavam aquele magnético, mas relaxante romance sem palavras. Das suas identidades, origens e afazeres profissionais nunca falaram, preferindo pautar aquele jogo sedutor pelo mistério, como dois estranhos que eram e continuariam a ser depois daquela noite de prazer…

Karen e Serge despediram-se à porta do hotel jà nascia o dia. Não marcaram encontro, mas no fundo ambos desejavam ardentemente que novo caso voltasse a acontecer... "

Mundos Recônditos
NB: este conto foi sugerido e escrito em colaboração com alguém que, presumo, não se importaria e ser Karen por uma noite... )
Simplesmente seu...

LMP, Luxemburgo, 2005

sábado, 12 de abril de 2008

FD * Capítulo XIII & Epílogo

CAPÍTULO XIII
&
EPÍLOGO




Neste sábado, 14 de Maio, foi o despertador quem desenlaçou os noivos. Consultando o relógio, beijaram-se e, sorrindo, mantiveram-se inertes em platónica contemplação durante cinco minutos. O brilho intenso das retinas enamoradas, aureolando-lhes o rosto plácido, e as suas mãos, firmemente entrelaçadas, davam ao eco da felicidade, que jorrava dos seus corações apaixonados, um encanto celestial. Antes de abandonar o leito conjugal, aproveitando o silêncio matinal, eles repetiram e selaram com um beijo na testa o juramento de fidelidade eterna.

Depois do duche, vestiram uns jeans e uma t-shirt e desceram para o restaurante, onde encontraram a família a tomar o pequeno almoço. Saudando-os jovialmente, assentaram-se e, respirando fundo, beberam um sumo de laranja. Deixando-os sós, D. Susana subiu para arranjar a Celina, antes de, com a ajuda da nora, vestir a filha que só voltaria a ver o noivo no patamar da igreja, quando o pai lha entregasse.

Às onze horas, quando a bordo do BMW, conduzido pelo arquitecto, a catedrática se dirigiu para a praça do santuário, as escadarias da basílica já estavam repletas de convidados, de repórteres, de curiosos e de visitantes que, não podendo vir no dia das aparições, haviam reservado este sábado para cumprirem as suas promessas. Alinhados face a face, numa ala gigante que se estendia das escadas de granito até à capelinha das aparições, onde surgiria a noiva, aquela mole ingente não cessou de aplaudir o noivo, que vestia um elegantíssimo smoking.

A sogra arvorava orgulhosamente um chiquérrimo vestido azul escuro, sobre o qual brilhavam as suas jóias.As câmaras contratadas pelo Diário obedeciam ao comando da Vera, que, tal realizadora de cinema, charmosa como nunca, não cessava de indicar os melhores ângulos para a filmagem?. À medida que se abeirava do Ximenes, postado em vigília no patamar, Rui ia descobrindo, com enorme regozijo, o olhar radiante dos amigos, entre os quais, a uns metros do primeiro degrau, apercebeu Sua Excelência o Sr. Embaixador de Portugal em Kinshasa, Dr. Crisóstomo de Almeida, e a esposa, que lhe lançaram um aceno discreto.

Subidas as escadas, o sacerdote timorense, que viera na quinta-feira para rezar um rosário pela sua martirizada pátria com os seus compatriotas peregrinos, beijou respeitosamente a mão da catedrática e, fixando o ex-colega com aquele seu olhar irreverente, disse:
― A multidão não tira os olhos de vocês, Sra. Professora. Será melhor virarem-se ― sugeriu o padre.
Obedecendo, deram meia volta e, encarando jovialmente a multidão, lançaram-lhe um beijo. Pouco depois, todos os olhares se voltaram para a capelinha, onde surgia Celina, de cabelo curto, num magnífico vestido cor-de-rosa. Ostentando os brincos e as jóias da mamã, que o astro rei fazia reluzir, ela era o espelho perfeito da Dina. Segurando cuidadosamente a cesta das alianças, ela não tirava os olhos do carro da noiva, um automóvel antigo florido a preceito, onde a médica e o papá aguardavam que os padrinhos, mais atrasados, se adiantassem e fossem postar-se no primeiro degrau das escadarias. De luvas brancas e atento ao aceno do pai da noiva, o condutor abriu as portas, para que o advogado, saindo, desse a mão à filha, que não parava de se mirar e ver se os olhos, lábios, os brincos, o penteado e o véu estavam como quando saiu do hotel.

Pousando, finalmente, o sapato branco no macadame negro, amparada pelo papá, que ostentava um chapéu de cartola alta e um casaco à grilo com uma gargantilha de ouro, a noiva desvendou toda a magnificência da brancura rendilhada, donde emergia a madeixa dourada. Lembrando-se do comprimento da cauda do vestido, Celina foi segurá-la até pisarem o solo da praça, deixando-a depois arrastar pelo chão e correndo a postar-se diante dela. Reabrindo e alinhando as alas, a multidão aplaudiu-a vigorosamente até às escadarias: centenas de flashes, disparados dos quatro pontos cardeais, faziam brilhar ainda mais no pescoço esbelto o medalhão da profecia e os brincos de rubis azuis; do patamar, o noivo não se cansava de a admirar, medindo mentalmente a distância que a separava do primeiro degrau para, oferecendo-lhe os dedos, subirem juntos as escadarias e entrarem de mão dada na basílica.

Finalmente, voltando ao seu mundo de sonho, o rei Tapiur foi colher a princesa Sirc e, esperando que o velho rei Rágde beijasse pela última vez a mão da filha, ofereceu-lhe a dele, principiando a caminhada até ao altar do mundo, atrás da princesinha Anilec, que lhes abria o caminho, e sob a escolta do cavaleiro Oilúj e a dama Aivlís, testemunhas do enlace real. O místico rei Xiléf, a leal servidora Aiméon e a rainha Anasus, a quem o marido dera o braço na passagem, seguiam-nos a uma respeitosa distância.
Entrando na Basílica guiados pelo sacerdote Senemix, os noivos foram recebidos por uma melodiosa nupcial e o sorriso dos meninos do coral, que, perto do altar, os aguardavam pacientemente.

Nos primeiros bancos, o nubente descobriu os tios e os primos transmontanos, a quem empiscou orgulhosamente e saudou com um aceno; a noiva sorriu-lhes e acenou-lhes discretamente, mas a Celina, essa, já nem se lembrava deles, tão distante e nublada na sua memória atribulada se encontrava a última viagem com a mamã à rude e árida terra transmontana.
No altar, os noivos, iluminados pela luz dos vitrais, escutaram de pé a introdução sacerdotal. Segurando o ramo de flores com ambas as mãos e concentrada na cerimónia, a noiva mal olhava os fotógrafos e as câmaras para desconsolo dos repórteres que, enfeitiçados, queriam colher o misterioso encanto daquele olhar esverdeado.

Durante a missa, a voz fina dos seminaristas, enfaticamente distinguida pelo silêncio geral, fez vibrar de alegria o misticismo no coração do arquitecto que, na primeira fila, não tirava os olhos do Santíssimo. Quando, depois de uma brilhante homilia sobre a força do Amor, o sacerdote desceu para ouvir da boca dos noivos o sim que todos ansiavam, a quietude da basílica, por vezes quebrada pela tosse, apurou-se, impondo-lhes um silêncio sagrado. Esboçando um sorriso, o padre encarou o casal e, chamando a Celina para o seu lado, disse jovial:
― Finalmente, depois de eu ter estado para aqui a pregar e a querer ensinar o pai-nosso ao vigário, chegou a vez dos noivos nos dizerem o que importa.
― E o que é que o Sr. Padre quer ouvir? Que nos amamos e que queremos Deus nos una eternamente? ― perguntou corajosamente a noiva, consultando os pais e os padrinhos.
― Pergunte, que nós respondemos! ― sugeriu o noivo.
― Normalmente, quando os noivos são muito tímidos e envergonhados até sou eu quem tenho que lhes fazer uma pergunta antes, mas como vocês tiveram muito tempo para pensar, imaginem que ficaram prisioneiros lá na selva e não têm nenhum padre para vos casar...

― Ui, assim, não sei como começar, Rui! ― disse a noiva, atrapalhada.
― Está bem, eu começo! ― adiantou o noivo tranquilo.
― Pois, então façam o favor de se virarem para os homens, porque Deus, esse já viu e sabe tudo ― sugeriu o celebrante, empiscando à assistência, embasbacada com o ritual.
― Bom, Cris, porque tu e Deus sabeis que te amo e é com o mais firme propósito de fazer-te feliz e ser-te fiel na Terra e no Céu, quero diante de todos perguntar-te se ainda tens dúvidas da minha sinceridade e...
― Não! ― bradou comovida, fitando-o amorosamente.
― Oh! Oh!! Oh!!! ― exclamaram os distraídos, desconsolados.
― Eh, que ninguém desmaie, porque a pergunta ficou a meio! ― clarificou o noivo, bem-humorado, antes de prosseguir: ― Então, se já não te restam dúvidas, pensa bem e diz-me lá se estás disposta a honrar-me e a ser-me eternamente fiel e...
― Sim! Sim, meu amor!!! ― gritou lacrimejante, arrancando uma salva de palmas às testemunhas e emocionando os pais e os padrinhos com aquele contagioso pranto de felicidade.
― Ufa! Ainda bem que ela disse sim, Ximenes!
― Pois é, agora vamos ver se a senhora doutora conseguirá...
― Se calhar não! ― arguiu Rui, empiscando à Celina e ao padrinho.
― Se calhar o quê?!
― Nada, falava com Deus!
― Se falava com Deus, então diga-me: sente-se capaz de resistir às tentações da carne e jura ser o marido fiel por quem esperei estes anos todos? ― perguntou séria, perscrutando-lhe o olhar.
― Sim, juro, meu amor, juro!!! ― bradou convicto, beijando-a na boca, enquanto a igreja aplaudia entusiasticamente.
Deixando-os acabar de bater as palmas, o sacerdote ironizou:
― Realmente, estes desavergonhados nem na igreja de Nossa Senhora de Fátima pedem licença a Deus para...
― E o Sr. Padre acha que é mesmo preciso pedir licença a alguém para fazer o bem? ― observou baixinho Cély, encarando o celebrante.
― A Celina tem razão. Faz bem sem olhar a quem e nem pedir licença a ninguém! ― relembrou o sacerdote.
E, depois de beijarem as alianças, os noivos ofereceram-nas um ao outro, para que, usando-as e respeitando-as, a fidelidade fosse eternamente o cimento da felicidade. Depois, pousando-lhes a estola nas mãos, o celebrante concluiu solenemente:
― Abençoe-vos Deus, Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo. Não separe o homem o que Deus uniu. Caríssimos noivos, agora, sim, estais unidos pelo indissolúvel sacramento do matrimónio. Parabéns e muitas felicidades! ― declarou o sacerdote, beijando graciosamente a mão da médica e abraçando demoradamente o amigo do seminário, a quem segredou ao ouvido: ― vê lá se consegues dominar a irascibilidade, Rui, porque a Cristina é merecedora de tudo o que em ti há de melhor!
Um coro de palmas, ecoando estridentemente pela Basílica, aplaudiu o beijo furtivo que eles se deram nos lábios como dois passarinhos, antes de receberem as felicitações da Celina, dos pais e dos padrinhos.
Postados discretamente nos seus lugares, os repórteres não perderam um só instante daquele juramento sagrado, para que a memória, mesmo apagada pelo tempo e o esquecimento, tivesse onde se avivar e recordar aquele momento de inesquecível felicidade. E a missa, de agradecimento à Virgem Mãe terminou com a consagração e a imploração da benção de Nossa Senhora de Fátima para os noivos e todos os casais do mundo.

Depois das assinaturas, os esposos posaram para as habituais fotos com a família no altar e, de mãos dadas, atravessaram a nave principal da igreja, parando apenas diante da entrada, onde, apesar das recomendações do sacristão, foram submersos por milhares de pétalas e grãos de arroz, antes de serem calorosamente felicitados pelos convidados, que não arredaram pé sem a tradicional foto do grupo nas escadarias da basílica, visto as individuais ficarem para os jardins e o pinhal do solar.

Lá no pico do firmamento, o Sol, envergonhado com tanto brilho, deu largas à sua ira infernal para ofuscar o encanto daqueles corações apaixonados, mas em vão. Conduzindo o cortejo até ao fundo da praça, Pat e Cris não se cansaram de distribuir beijos e sorrisos, numa simplicidade desconcertante, fazendo-os subir e crescer na simpatia e na estima populares. Ao passar junto da capelinha das aparições, Cristina deu a mão esposo e foi depor o seu ramo, que a Celina lhe devolvera depois de arrancar uma rosa branca, nos pés da imagem sagrada, a quem, numa atitude de fé e gratidão, rezou com o marido uma fervorosa Ave Maria.
E os duzentos e cinquenta convidados, aproveitando a sombra das azinheiras, dirigiram-se para os autocarros e sossegaram o estômago, antes de se meterem a caminho do Monte Estoril, num concerto de mais de cem quilómetros de constantes buzinadas e calorosos cânticos de júbilo, que fez acorrer às bermas da Estrada Nacional número 1 os habitantes das aldeias por onde passavam e estranhar os automobilistas, que iam cruzando.
Quando as dezasseis horas repicaram festivas no salão, toda aquela gente já se desalterava à sombra refrescante dos pinheiros do solar, onde foram recebidos pelos comandos do Sr. Major Contreiras, a quem uma síncope inoportuna da esposa impedira de se deslocar com os seus homens, como prometera, até Fátima. Vestidos a rigor, os soldados prestaram orgulhosamente as honras militares, que não os largaram enquanto os fotógrafos não imortalizaram aquele ápice de felicidade!

Entretanto, enquanto uns bebiam e petiscavam, servidos por uma dezena de serventes, outros aproveitavam para tirar uma fotografia com os noivos perto de um canteiro de flores, religiosamente protegido por três moços, que não cessavam de recomendar, sobretudo aos miúdos mais traquinas, que tivessem cuidado e não tocassem nas flores.
Depois foi a vez de os noivos posarem sozinhos para os repórteres, lançando-lhes dezenas de sorrisos, ora langorosamente apaixonados, ora seriamente enigmáticos.
Feitas as fotos com a família, os noivos dirigiram-se para junto do coral e do padre Ximenes, a quem a noiva quis agradecer com um generoso envelope, antes de beijar os seminaristas um a um. Foi então que o sacerdote clamou frustrado:
― Quem me dera ser menino!
― Se o Rui deixar...
― O quê?! Para ele ainda perder a vocação?! Não, nem pensar! Eu não quero que Deus passe a vida a chatear-me o juízo...
― Só um não faz mal, Pat! ― disse a noiva, contristada.
― Bom, como Ele, a estas horas deve estar a dormir a sesta, beija lá esse desavergonhado ― consentiu o noivo.
― Hum! Obrigado, Cristina! ― agradeceu o timorense, oferecendo timidamente o rosto moreno à noiva que, beijando-o dos dois lados, piscou ao marido que os mirava jocosamente por entre os dedos abertos.
E o copo de água campestre, em que cada convidado, numa ordem e numa calma invulgares, se serviu pessoalmente, veio saciar os mais esfomeados. Os garotos, esses, enchida a barriga com sumos e doces, aproveitaram o pinhal para jogar aos cow-boys e aos polícias e ladrões, esquivando-se a tão cerimoniosa recepção.

Ao pôr do sol, depois de terem visto as provas das fotografias e escolhido as que mais lhes interessavam, os soldados, o coral e muitos dos colegas da directora retiram-se, ficando apenas os amigos das tenebrosas horas africanas e os angolanos, com a Paula, para os divertir com o inconfundível e irreverente sotaque, a casar alegremente palavras contra natura.
Partido o bolo, os noivos ergueram as taças de champanhe e, brindando, aproveitaram a euforia geral para se esquivaram-se aos convivas e correr para a suite 202 do Hotel Palácio, onde se embriagaram de amor.



No Domingo, 15 de Maio, começando o dia com um copioso almoço, mal se falaram. No silêncio dos seus olhos morava uma incomensurável e indescritível felicidade, divinamente regenerada pela cibernética amorosa dos seus dedos. Cristina vestia o mesmo conjunto róseo do casamento civil, enquanto Rui, mais descontraído, preferia combinar as calças com um pólo e um casaco de malha, donde sobressaía o crocodilo da marca francesa.
Servidos discretamente, eles não paravam de se excitar, desejar e desnudar mentalmente, como se a longa noite de núpcias estivesse para culminar neste delicioso manjar. Depois de um delicioso Baileys, o licor preferido, voltaram ao solar, onde a família, repousando da azáfama da véspera nos bancos do jardim, os aguardava para um derradeiro lanche antes de partirem para a lua-de-mel.
A professora, que foi a primeira a avistá-los, ergueu-se e, sorrindo, foi beijá-los, a meio da alameda verdejante, mirando bem as íris amorosas da filha, que, num apertado abraço, lhe segredou:
― Que felicidade, mamã!
― Isso não é nada, comparado à alegria da maternidade, filha! ― assegurou a mãe, abraçando o genro.
Entretanto, Celina, acorrendo lesta, lançou-se ao pescoço do papá, que a levantou como quando era bebé e a beijou demoradamente no rosto macio, antes de a pousar novamente.
― Hoje ainda estás mais bonita! ― reparou a menina.
― Porque dizes isso, Cély, se até trago o mesmo fato?!
― Então não é verdade que os olhos dela estão mais lindos hoje, vovó Susana?!
― Claro que estão, filhinha, só quem não tem coração é que não vê!
― Não vê o quê, mamã?! ― perguntou Júlio, curioso, aproximando-se e abraçando o cunhado.
― Que a felicidade faz brilhar ainda mais os olhos da tua mana, filho!
― Mesmo?! Deixa ver, maninha. Ui, até queimam! ― gritou o irmão, beijando-a no rosto.
― A comadre veja lá, olhe que a menina vai nascer antes do tempo! ― ironizou Rui, reparando na barrigona da Sílvia.
― E eu até nem me importava nada, se tudo se passasse bem! Isto, ter que esperar nove meses, é uma chatice, compadre! ― acrescentou Júlio, impaciente.
― Ai estes homens! ― exclamou a professora, fitando o filho e o genro.
― Ontem, parecias o Conde de Monte Cristo, papá! ― opinou Cristina, oferecendo o rosto ao pai.
― Conde?! Então não foi sua majestade Rágde I quem levou a princesa ao altar?! ― retorquiu o advogado, desconsolado, beijando a mão da nova rainha do castelo.
― Claro que era! Onde tenho eu a cabeça!
― Estou a ver que o champanhe te deu a volta à cabeça, filha!
― O champanhe?! Foi o amor!
― Então o desavergonhado não podia esperar pela lua-de-mel?
― Por falar em lua-de-mel, onde...
― Psch! É segredo, comadre! ― cortou Sílvia imediatamente.
― Pronto! Mas..., o Dr. Félix não vai connosco? ― estranhou Cristina.
― O Félix está a descansar, filha. Logo à noite, quando formos para o aeroporto, passaremos por Santo Amaro.
― Pois, o vovô Félix está a ficar tolo.
― Porquê, filhinha? ― perguntou-lhe o pai.
― Porque diz que agora, que o papá e a Cris se casaram, Deus já o pode chamar para junto da vovó Alice ― explicou Celina, tristonha.
― Não, Cély, ele ainda há-de ir ao baptizado do Arturzinho!
― Do Artur e da Alice! É, se Deus vos der uma menina chamai-a Alice! Se isso acontecesse, o Félix ainda viveria mais de vinte anos! ― sugeriu prontamente a professora.
― Eu pensei em Susana ou Vilhelmina, mas se a mamã...
― Ah! Se tu tivesse conhecido a Alice, como eu!...
― A Alice era uma mulher encantadora, uma princesa, filha! ― confirmou o pai, nostálgico, acariciando a mão da esposa.
E, meneando a cabeça, recolheram ao salão, tomando parcimoniosamente o lanche. Para dissipar a compaixão que a evocação da Alice lhes suscitara, a família passou o resto da tarde a admirar as fotos que a Vera lhes deixara em quatro álbuns plásticos, que os noivos levariam com eles no avião.

Depois de uma derradeira chávena de chá e de um pedaço de torta de morango, que a Maria Cristina tanto adorava e, menina como a Celina, se regalava de comer às escondidas para que a mamã não lhe chamasse comilona, a sogra e a nora foram mudar de roupa, guardando religiosamente o segredo da lua-de-mel que Cris tentou desvendar, em vão, antes de arrancarem para o aeroporto.
Às vinte e uma horas, parando em Santo Amaro para se despedir da velhota que, por não gostar nada de aviões, não seguiria com o patrão até ao aeroporto, Cristina murmurou queixosa:
― Veja lá, Sra. Noémia, que os malandros ainda não nos revelaram para onde vamos. Diga lá, eu merecia-lhes isto, merecia?!
― Claro que não, filhinha! Você faça de conta que não sabe de nada, mas o senhor arquitecto diz que também gostava de ir convosco ver o Cristo Rei e comungar da mesma simplicidade e, sobretudo, da mesma fé do povo brasileiro ― revelou a governanta, beijando-a enternecida.
― A senhora era capaz de cuidar sozinha da Celina, era?
― Vocês podem partir tranquilos, que eu e a minha netinha somos como carne com osso! ― afiançou a velhota.
― Olhe, faça o favor de meter três ou quatro mudas de roupa do senhor arquitecto naquele saco do Rui, com meias e cuecas para quinze dias, enquanto eu ligo para o aeroporto, sim? Ah! Não se esqueça das calças de ganga e das sandálias e, sobretudo do passaporte! ― gritou apressada.
Adivinhando-lhe os intentos, a governanta sorriu e sem hesitar. Na estrada, os Bêémes negros começavam a achar as despedidas longas de mais, quando viram a Cristina surgir com mais um saco na mão.
― Porque não levas o guarda-roupa? ― ironizou Júlio, segurando o volante do carro do pai.
A mana limitou-se a esticar-lhe a língua e a sentar-se ao lado do marido.
No aeroporto, estacionados os carros, Júlio carregou a mala da irmã e o Rui a dele, enquanto o arquitecto, serviçal, não deixou que a médica pegasse no saco que metera ultimamente na mala, enquanto a Celina, toda catita, segurava jovialmente a bolsa dos documentos.

Na sala de embarque, Cris consultou o quadro das partidas e, agarrando o esposo pela mão foi cochichar para trás de uma planta artificial, antes de se dirigir ao balcão da TAP, onde falou com uma empregada muito gentil. Sílvia, que guardava religiosamente as passagens na bolsa, mal os viu murmurar demoradamente com a funcionária, sorriu e, apercebendo-se que, afinal, alguém traíra o segredo, chamou o marido, que se apressou a oferecer os bilhetes à mana, como prenda de casamento, recordando-lhes que, em princípio os queria ver de volta dentro de quinze dias, mas que a validade dos mesmos era de dois meses, o que fez torcer imediatamente o nariz à Celina. Depois de registarem as bagagens e obterem a carta de embarque, Cris e Pat voltaram para junto da família, que os espiava a uns metros. Vendo o arquitecto tristonho, a médica bradou comovida:
― Ai, padrinho, é tão fácil fazer o diagnóstico da sua doença!
― Vá, não me diga que o Rui já lhe transmitiu o dom da vidência? ― retorquiu o arquitecto, cansado.
― Eh, que ei saiba, não casei com um bruxo!
― Claro que não, meu amor! O padrinho é que sempre pensou que eu nasci com o sexto sentido! ― explicou Rui, empiscando ao velhote.
― Que sintomas apresento eu de anormal, para a Cristina ver a minha fraqueza? ― arguiu o arquitecto, desconfiado.
― Bom, eu não vou revelar-lhe os meus segredos profissionais, mas se adivinhar realmente o mal que o apoquenta, o padrinho tomará o remédio que lhe prescrever. Aceita? ― propôs a médica.
― Aceito, porque a menina não adivinhará ― disse confiante.
― O padrinho anda triste porque pensa que nunca chegará a realizar um dos seus sonhos!
― Que sonho?
― Aqui está o seu saco! O padrinho virá connosco para o Rio de Janeiro, para comungar da fé do povo brasileiro ― ordenou a médica, empiscando à família.
― A Cristina adivinhou, Félix! ― deduziu a professora, vendo-o corar.
― O senhor doutor jurou! ― relembrou a Sílvia, encantada.
― O vovô pode ir que eu e a vovó Noémia cá nos entendemos e depois, se for preciso, até vou quinze dias para o Monte Estoril e a vovó Susana poderá dar logo agora as férias à Maria ― sugeriu a netinha, perspicaz.
― Excelente ideia, Celina! ― apoiou Dr. Edgar, encorajando o amigo a servir de anjo guardião aos pombinhos.
― E o bilhete? E o passaporte? Além disso...
― Não arranje desculpas, padrinho. Se conseguirmos lugar neste voo, irá connosco! ― declarou o afilhado, exibindo o passaporte.
― Que pena que eu não possa ir também! ― exclamou Júlio, invejoso.
― Vocês arranjam-me cada uma, filhos! ― desabafou o arquitecto.
Erguendo-se lesta, Celina correu ao balcão da TAP e, depois de uns cochichos com a empregada, voltou a murmurar de dedos cruzados.
― Oh, não sabia que a Cély falava sozinha! ― notou Sílvia, reinadia.
― Então vás não vedes que eu estou a rezar para que alguém falte?!
― Lá por isso, eu rezo para que o voo esteja completo ― arguiu o arquitecto, provocador, pondo as mãos em oração.
― O que o vovô tem é taf-taf! ― exclamou Celina.
― Se preferir viajar incógnito, o padrinho não se incomode! Depois, no Rio de Janeiro, se nos cruzarmos ou achar que o nosso programa lhe interessa, acompanhe-nos! ― esclareceu a médica.
― Pois, mas já sei que vou sentir Saudades da minha netinha! ― choramingou o arquitecto.
― No Brasil também há telefone e papel, vovô! ― retorquiu Celina, mimalheira, beijando-o carinhosamente na face.
― Pronto, se eu não vos incomodo... ― disse resignado.
E, graças ao impedimento de um casal, o místico e tímido arquitecto pôde, finalmente, realizar o sonho que, com a sua querida Alice, fizera há vinte e cinco anos, pouco minutos antes do parto fatal que o enviuvara e lhe roubara a razão de viver, projectando-lhe a alma numa década de solidão e pesar.
Meia hora antes do embarque, vendo o bilhete na mão, Dr. Félix ofereceu um copo aos amigos. No bar, confessou-lhes que, agora, acreditava que o destino somos nós quem o fazemos, porque a força do espírito, que é de longe superior à do corpo, nos torna imortais e nada pode influenciar a imortalidade. Percebendo mal o misticismo do colega, o casal Sampaio escutou-o, porém, com aquela atenção que só a verdadeira amizade consegue suportar, mesmo quando a mais paradoxal incredibilidade possa surgir.

E nunca um adeus, sempre triste, deu tanta alegria a quem partia e aos que ficavam, porque não há maior alegria que deixar de viver na virtualidade de um sonho real e entrar, de corpo e alma, na realidade do sonho virtual, que é a felicidade terrena.
Quando a hospedeira de bordo lhes pediu que se despachassem, pois o avião devia partir, Celina, que quisera ser a última a beijá-los, gritou maliciosa:
― Cuidado com as Cariocas, papá!
― Psch! A Cris pode ouvir!
Acenando, os viajantes entraram no túnel e desapareceram na escuridão. Cristo, que saudaram à partida, em Almada, não dormiu naquela noite, porque, brincando com a ubiquidade, numa meteórica corrida pelo ainda desconhecido bloco tempo espaço, por onde transita o destino da humanidade, num ilusório conceito da realidade, acolheu-os, de braços abertos, à chegada, para lhes apresentar, orgulhosamente, o Rio de Janeiro, a paradisíaca Cidade Maravilhosa, onde o amor, com aquelas praias imensas e aquelas garotas esculturais, tem mais encanto e teria, seguramente, outra magia, se a violência também não rimasse com o dia a dia, e a opulência não atentasse a dignidade humana.





EPÍLOGO
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Daquela inesquecível e transcendental lua-de-mel, Pat e Cris trouxeram, além das numerosas recordações para a família e para os amigos, sobretudo, a certeza que o futuro da Humanidade dependerá da criação e adopção de uma Língua Auxiliar Universal que fará da Terra o País de todos os homens, mas que antes, porém, tornar-se-á imperioso que a Linguagem do Amor seja compreendida, falada e praticada pela Raça Humana, para o ódio, a guerra e as demais formas de preconceito, origem de todos os males corporais e espirituais, cessem.


No Brasil, coração do Paraíso tão maltratado pela opulência e a ganância de um punhado de ateus, descobriram que a alegria também podia rimar com a miséria do dia a dia e a felicidade ecoar pelas favelas da cidade. De lá, onde Deus ainda mora com os Seus e a crença na força do Espírito faz com que a Esperança seja a última a morrer, Pat e Cris trouxeram, ainda, a convicção de que nada vale ao homem tudo possuir, se perder o Amor, porque nele se esconde a chave da Vida Eterna.
Finalmente, apaziguado e exorcizado, o destino, o génio da lâmpada da vida, sentindo-se feliz à sombra daquele amor puro, esqueceu as diabruras do passado e colocou-se ao serviço dos seus adorados mestres, apadrinhando a felicidade de tão apaixonado lar.

Nas férias grandes, Celina, que ficava semanas inteiras no solar a ajudar e a divertir com as suas insolências a vovó Susana, lamentava ser tão nova, pois amaria imenso tê-la como professora na faculdade. Quando não se divertia na piscina, onde adorava chapiscar a água, Cély era a confidente e a companheira das horas livres da Cristina, cuja gestação começava a ganhar contornos assustadores.
Atarefados com a avalanche súbita de negócios, que os impedia de descansar mais que cinco horas por dia, os advogados começavam a dar sinais de fadiga e rogavam a Deus que a Suely e o 1º de Agosto chegassem para trancar as portas do escritório e gozar duas semanas de férias.

Neste sábado, dia 6 de Agosto, Cris reuniu a família no solar para celebrar o décimo aniversário da sua primeira vez. Depois da ceia, ofereceu-lhes um digestivo afrodisíaco e, pegando na Força do Destino, cujo sucesso de livraria esgotou a primeira edição numa semana, releu amorosamente o capítulo que ela mais adorava, porque o seu poeta soubera interpretar divinamente os seus desejos intrínsecos.

Mais tarde, ao serão, depois dos tios terem partido para a Amadora com a Suely e os vovôs Félix e Noémia terem regressado felizes a Santo Amaro, Celina, vendo que, cansados, os vovôs Susana e Edgar se retiravam também, foi sentar-se entre o pai e a mãe e começou a traquinar o mano.
De repente, vendo a barriga da gestante ondular; colou o ouvido perto do umbigo e murmurou baixinho:
― Psch! Silêncio! O bebé quer contar-me um segredo!
Pat e Cris calaram-se e, afagando-lhe os cabelos, deixaram-na beijar, acariciar e escutar o ventre durante mais de cinco minutos.
― Eles estão brigar, papá!
― Eles?! Não te iludas, filha! O bebé ainda não...
― Ai! Realmente... Ai! Puxa! Nunca senti pancadas como estas! ― confirmou gemebunda.
― Se é briga... quer dizer que vais ter gémeos...
― Gémeos, filha?! Oh! Deixa-te de ilusões, Celina!
― Porquê?! Não gostavas de ter gémeos, meu amor? ― interferiu a esposa, sorrindo orgulhosa.
― Gostar?! Adorava! Mas... já viste o esticão que essa barriga iria levar?
― Pois, mas teria a vantagem de só acontecer uma vez.
― Uma vez?!
― Se não quisesses mais filhos, claro!
― Se calhar o teu corpo...
― Não me digas que tens medo que eu perca a linha? Quer dizer que se eu perder a linha, já não gostas mais de mim?
― Não, não é isso, Cris!
― Tu vê lá o que fazes, papá, olha que o amor é muito frágil!
― Frágil, filha?! O meu é de titânio, é de...., de eternomium, percebes?
― De eternomium ?! ― indagou divertida.
― Deixa, filha, eternomium é nome de louco.
― Não é não, Cély! Eternomium deve ser a medida, a duração e a essência do Amor de quem aspira à verdadeira felicidade. O Eternomium só cresce nos corações puros, filha! ― esclareceu a médica, filosofal.
― Ah, agora compreendi! ― desabafou a inocente, cobrindo o ventre maternal.
E, empiscando-lhes com um ar de gozo, Celina beijou-os no rosto e correu para o quarto das relíquias do sótão para ver brilhar tão estranha qualidade nas fotos da mamã.
Aquelas férias passaram-se maravilhosamente, a maior parte do tempo no solar, para evitar os perigos da marginal e aproveitar a sabedoria da vovó Susana enquanto era tempo. A Força do Destino tornou-se o seu companheiro de piscina e de cabeceira. E, perspicaz, quantas vezes pediu ao pai e à Cris que lhe relessem e explicassem certas passagens da autobiografia da família, para que, falando-lhe, eles lhe devolvessem a voz e a vida da mamã, a rainha Anid, a quem fora dedicado o livro, que vivia aconchegada no seu coração.

No fim da tarde desta noite de S. Silvestre, sábado 31 de Dezembro, o solar encontrara, finalmente, a paz, depois de ter sido o palco de inúmeras festividades durante aquele memorável e ditoso ano que agora fenecia, e em que as lágrimas da dor e da felicidade tantas vezes se haviam confundido. Cris fora a única a resistir à tentação do espectáculo do Casino do Estoril, pois pressentia que era ali que Deus e a avó Vilhelmina queriam que ela conhecesse a alegria da maternidade.
Sentados no sofá da sala de televisão, onde esfolharam os álbuns do casamento e da lua-de-mel, Pat e Cris não cansavam de se beijar, enquanto Celina, atarefada com os petiscos, ia e vinha, num misterioso corrupio que perturbou a contemplação do pai, muito impressionado com as incessantes ondulações na barriga da esposa. Não resistindo à sua inquietação, Cély perguntou:
― Onde está o telefone do seu ginecologista, mamã?
― No anuário, mas..., a estas horas, o Dr. Serra deve estar no casino.
― No casino? Ai-ai, mamã!
― Não te preocupes, que o Artur não vai nascer esta noite, filha!
― E se os gémeos quisessem nascer no solar, no primeiro dia do ano?
― Gémeos?! Mas que coisa, Cély! O senhor doutor nunca me falou de tal coisa! ― bradou a médica incrédula.
― Pronto, se não é para hoje, não vale a pena afligires-te, mamã!
― Não te zangues, filha! Nós acreditamos em ti! ― adiantou o pai.
― Então é melhor irmos já para o hospital, papá!
― Gémeos até posso ter, mas fica tranquila que o parto não é para esta noite. Eu nem sinto dores! Vá, acalma-te e vem ver a televisão que 1983 ainda tem uma hora de vida! - disse a gestante, indicando-lhe o sofá.
― Está bem, só vou beber um copo de água e volto já! ― acatou Celina, virando as costas e rindo de soslaio.
Como prometido, a menina veio sentar-se ao lado da mamã e começou a acariciar-lhe a barriga. Perto da meia-noite, Cris franziu a testa e, sentindo uma dor aguda, suspendeu a respiração por segundos. Ocupado com os copos, o marido não se apercebeu de nada.
― Eu bem te avisei?! ― disse Celina, vendo-a contorcer-se e agarrar-se desesperadamente ao sofá.
― Cris! Cris!!! - gritou o advogado aflito.
― Ui, acho que a Cély tem razão. Por favor, liga para o hospital e diz-lhes que me mandem alguém.
― Vá, não te aflijas que... Escuta! Acho que estão a bater à porta! ― bradou inquieto, alertado por um ruidoso e insistente truz-truz.
― Ai! Vai ver, Pat, vai ver! ― clamou a médica, segurando a barriga.
― Mas que surpresa! Quem os avisou? ― inquiriu o advogado, perplexo.
― Quem havia de ser? A fada, Dr. Rui! ― respondeu o ginecologista.
― Também aqui, Dra. Celeste?!
― Ah! A mim, Dr. Rui?! A mim foi o dedo mendinho! ― respondeu a pediatra, corando ligeiramente.
― Venham que a Cris já começou a sentir dores! ― avisou no salão.
― Quem é, Pat? ― perguntou a médica, da sala de televisão.
― Ninguém, mamã! ― exclamou Celina, risonha.
― Ah!!!... A Celina é muito malandra, não é, Dra. Celeste?
― Malandra?! Previdente! Quem nos dera ter um anjo assim no hospital, Sra. Directora!
― Porque é que o senhor doutor não nos avisou que íamos ter gémeos?
― Gémeos, Sra. Directora?! Que eu...
― Escusa de fazer essa cara, porque não é por isso que lhe vou pagar a dobrar, Dr. Serra ― avisou a parturiente, fazendo-lhe uma cara de zangada.
― Não sabem o show que perderam no Casino! ― disse o ginecologista, auscultando-a.
― O que o Sr. Dr. Serra queria era ser o rei do espectáculo!
― Rei do espectáculo?! Desculpa, mas não entendo, Celina!
― Então já viu onde chegaria a sua fama, se a mamã tivesse o Artur e a Alice diante de todo o mundo, com as câmaras de televisão...
― Com tanta fantasia, a sua filha só pode ser mesmo uma Fada, Dr. Rui!
― Ainda duvida, Dr. Serra?
― Não, agora não! Mas... onde quer...
― No hospital como toda a gente! ― respondeu a parturiente.
― No hospital?! Foi neste solar que a senhora directora nasceu, não foi?
― Foi, Dra. Celeste! É, foi aqui, na manhã do dia 3 de Outubro de 1957.
― Pois, só uma balancinha podia fazer balançar o meu coração! ― arguiu o advogado, segurando e beijando carinhosamente a mão da esposa.
― É, e só um Sagitário sonhador, idealista e terrorista, podia trespassar o meu... Ai! Ai!.. ― gritou a médica, sustendo a barriga.
― O Dr. Rui e a Celina vão ter que nos ajudar ― avisou a pediatra.
― Ai! Por favor, leva-me para a cama da mamã... Ai! Oh... as águas...
― Agarra-te bem, meu amor! ― implorou o marido, solevando-a.
Abrindo as portas atrás dela, Celina nem teve tempo para se virar e admirar o prazer que o papá sentia em carregar a esposa e os filhos.
Eufórico, o pêndulo do salão não se cansava de bater e repicar as doze badaladas, anunciando a chegada de 1984, mas eles, preocupados com os gritos e suspiros maternais, nem se lembraram mais do Réveillon.

Entretanto, Celina telefonara ao vovô Félix que, deitado no seu quarto, lia calmamente A Força do Destino, cujo sucesso planetário, depois do filme dos americanos, viera garantir ainda mais o futuro do afilhado. Acorrendo prontamente com a governanta, como a netinha lhe pedira, pois temia não conseguir dar conta do recado, o arquitecto fez a viagem com o coração nas mãos, subitamente obcecado pelo trágico parto da sua amada Alice.
No quarto dos sogros, Rui Patrício era o mais feliz dos homens, contemplando orgulhosamente a sua progenitura, enquanto os doutores, orgulhosos pelo dever cumprido, lavavam as mãos no luxuoso quarto de banho do solar.
Entrando em pezinhos de lã, Félix surpreendeu o afilhado a beijar as mãozitas roxas de um bebé, enquanto a mãe segurava e embalava outro com os seios.
― Mas que surpresa, meu Deus! ― exclamou estupefacto.
― Quer pegar no Artur, padrinho?
― Não, filho, posso deixá-lo cair! ― balbuciou intimidado.
― Não tenha medo, padrinho! Vá, pegue então na Alice que é mais calma ― volveu Cristina, estendendo-lhe graciosamente a filha.
― O quê?! Esse é uma menina?! Oh, que gira! Por favor, Cris, vire-a bem para mim. Oh! Alice! Olá, Alice! Sorri para mim, Alice! ― implorou comovido, roçando-lhe o dedo nos lábios, como se as lágrimas cristalinas, que jorravam dos seus olhos cansados, lhe ressuscitassem o grande amor da sua vida.
― Porque chora, padrinho? - questionou o afilhado, comovido.
― Sabes, filho, com este epílogo, até A Força do Destino tem mais encanto, porque a vida é o verdadeiro destino da Humanidade!
― O destino da Humanidade é a Imortalidade, onde tudo é eternamente presente, por que a Verdadeira Felicidade que rima com generosidade e solidariedade...

Contemplando os recém-nascidos com a Fé no fundo da alma, eles deixaram que o Amor dos seus corações apaixonados comandasse para sempre o destino que Deus lhes deu. E foi assim que Artur e Alice, príncipes de Deus, iniciaram a aventura da existência neste Maravilhoso País que a Humanidade elegeu como Terra.
― Oh! Chegou ao Fim!
― Não, a Força do Sonho, como a do Amor, estará contigo para sempre, porque ela vive dentro de cada um de nós. Escuta, pois, a voz da tua consciência e segue-a porque será a ela que prestarás contas no Dia da Verdade e nunca te esqueças que a Verdadeira Felicidade rima infalivelmente com Solidariedade, Dignidade e Generosidade, porque a bem-aventurada Eternidade é o grande desígnio da Humanidade.




Luís Macedo Pereira - Luxemburgo Fevereiro de 1997
Brasil - RJ - Barra da Tijuca, Julho de 1997
Lud MacMartinson


FD * Capítulo XII

























CAPÍTULO XII


Depois da conferência no Ministério da Saúde, onde, pela RTP, o país pudera confirmar a firmeza e a nobreza de carácter dos seus noivos mais queridos de Portugal, Pat e Cris reviveram uma memorável noite de amor numa das mais belas suites do Hotel Palácio, para que os seus corpos ardentes nunca deixassem extinguir nas suas entranhas as labaredas da paixão. E os seus jogos íntimos prolongaram-se, com a benevolente cumplicidade da recepcionista, amiga do Zé Manel, o moço que o Dr. Rui de Aguiar salvara da prisão perpétua, até ao meio-dia, depois de, pelas nove horas terem saboreado um copioso breakfast, que lhes permitiu recuperar as calorias esbanjadas com a sedutora e inebriante sinfonia do amor.

Segunda-feira, quando chegaram ao solar, onde eram aguardados pelo padrinho, a Celina e o Júlio e a Sílvia, verificaram, pelas manchetes dos jornais, a sua imensa popularidade, assustando-se com o exagero e a eloquência dos títulos como: Simplesmente Heróis! Pelo Amor de Uma Mulher! Os conquistadores estão de volta! Humilde Herói! Os Caminhos da Glória! Corações de Ouro! e outros tantos subtítulos eloquentes, arrepiaram-nos. Porém, mal o leu de longe, por ocupar uma página completa, o que Rui mais adorou foi A FORÇA DO DESTINO!, assinado pela amiga que melhor o conhecia.
Pegando no auscultador, o advogado telefonou-lhe imediatamente para a felicitar, mas o Rui, o filho mais velho da assessora respondeu-lhe que a mamã saíra para o Monte Estoril. Olhou instantaneamente para a janela e descobriu e sorriu.
― Que telepatia, Vera! Acabo mesmo de ligar para tua casa! O Ruizinho disse-me que tinhas saído. Obrigado! Hum! Parabéns! ― bradou radiante, beijando-a no rosto.
― Olá! Bom dia a todos! ― exclamou ofegante, saudando-os à pressa.
― Acalme-se, Vera, que hoje não se trabalha! ― acrescentou Júlio, brincalhão.
― Engana-se, Sr. Brigadeiro! Porque pensa que eu estou em brasas? ― replicou a jornalista, impaciente, tremelicando e segurando um papel.
― Não me diga que acertou na lotaria, Vera?
― Acertaremos e na americana, Júlio, se os pombinhos quiserem!...
― Por favor, não perguntes ao ceguinho se quer ver! ― ironizou o noivo, segurando jovialmente a mão da sua amada.
― Não me diga que os americanos querem comprar a vida do papá? ― interferiu Celina, constatando a perplexidade do pai.
― Ei, vocês vivem uma bruxa..., perdão, com uma fada! ― arguiu estupefacta, empiscando à princesinha.
― Não?! Não me diga que a Celininha sonhou com o filme da vida do Rui Patrício?! ― deduziu a catedrática, perplexa.
― Pois, eu sonho muito todas as noites, vovó! ― confessou a pequenita.
― Sonhas com namorados, com fadas... ― disse o militar, reinadio.
― Com namorados não preciso de sonhar, tio Júlio, porque já tenho dois.
― Eh, vocês deixam a Vera falar, deixam? ― interferiu o interessado, pondo um ponto final à ironia do cunhado.
― Imaginem que a Century Fox e a Paramount Pictures, as duas mais famosas produtoras de Hollywood, querem fazer um filme sobre a vossa vida e estão tão apressados que mandaram o embaixador americano em Lisboa telefonar-me. Este é o número do telefone celular dele.
― Celular?! ― estranhou o arquitecto.
― Sim, Dr. Félix, o celular é um telefone via satélite, sem fio, que se pode transportar no bolso e que está a revolucionar a indústria das telecomunicações, mas que ainda vai levar uns anos a chegar a Portugal ― informou a jornalista.
― Mas isso é formidável, Vera! Com um telefone desses, tudo teria sido muito mais fácil! ― exclamou a médica, pensativa, imaginando as vantagens de tão revolucionária descoberta.
― No Pentágono, eles já usam isso há muito tempo. Aliás, eu nunca vos disse, mas a maninha foi seguida em permanência por um satélite espião americano ― confidenciou orgulhosamente.
― Em permanência?! Não é bem assim, Júlio. Bom, a partir do momento em que ela accionou o microprocessador, sabíamos onde a poderíamos encontrar, morta ou viva, se ela não fosse queimada... ― clarificou o noivo.
― Por detrás do couro da marca dos teus jeans tens um minúsculo emissor que um oficial americano de origem portuguesa, o Bill Garcia, nascido em Negrões, no concelho de Montalegre, ofereceu ao Júlio, quando passou pelo pentágono. Como vês, afinal, o Arturzinho não era o teu único anjo da guarda, filha! ― esclareceu a professora.
― É verdade, o emissor! Mas... eu nunca mais pensei nele, Júlio!
― O quê?! Se não foste tu quem... Quer dizer que os meus conselhos... os mandaste às malvas? ― questionou o irmão, perplexo e incrédulo.
― Quem accionou o dispositivo, se não foste tu, Cris?
― Quer dizer que aquela pulga metálica, que mordia o rabistel de vez em quando, era um microprocessador... Ah! Um dia enervou-me tanto que a tirei do bolso de trás e a meti... Onde a meti? Olha, se queres que te diga, Júlio, já nem lembro..., mas pouco importa! O pai queria dizer?
― Estou a ver que os americanos ainda me compram o sócio e o genro, Vera ― observou D. Edgar, empiscando à filha.
― E vocês acham que há dinheiro que pague esta feiticeira?! ― acrescentou Rui, beijando amorosamente a noiva na boca.
― Uah! Estou mesmo a ver que vamos todos para Hollywood fazer cinema! ― gritou Júlio, entusiasmado.
― Vera, liga ao Sr. Embaixador e diz-lhe que nós estamos dispostos a estudar todas as propostas, se as produtoras me derem dois meses para, enquanto tenho a memória fresca, escrever um livro, que servirá de cenário e guião para o filme.
― Oh! Os americanos vão meter sangue no filme, papá ― bradou Cély.
― O sangue está associado à vida! Mas... porque me dizes isso, filha?!
― É que, afinal, eu sonhei com o filme dos americanos. No meu sonho havia tanto, tanto sangue, que tive que sonhar por duas vezes, pois da primeira acordei toda suada e a tremer de medo. Depois, como o fim era lindo, até chorei de alegria. Ai, tu e a Cris estáveis tão giros, papá! ― exultou a criança, arregalando os olhos.
― A sua esposa está tão amuada, Júlio! Diga qualquer coisa, Sílvia.
― Se o Dr. Félix soubesse como é bom sonhar acordado! ― bradou a gestora, felicíssima, acariciando a barriga.
― O bebezinho já mexe? ― insistiu o arquitecto, carinhoso.
― De mais, Dr. Félix! O papá habituou-se a brincar com ele todas as noites e agora, quando ele não vem ficar a casa, é um bate-bate nas minhas costelas que nem imaginam. É interessante, às vezes tenho a impressão que é de zangado que ele me dá com os pés ― confidenciou a gestante.
― Não me diga que vou ser padrinho de uma jogadora, Sílvia?
― Porque não, compadre?! – replicou a gestora, empiscando ao cunhado e parando para que a jornalista lhes contasse o teor da conversa que acabava de ter com o diplomata americano.
― Amanhã podemos ir falar com Sr. Embaixador Frank Tartucci às dez horas. Até lá, seria bom que a Sampaio & Aguiar estudasse o assunto e vocês levassem na manga uma contra proposta mais vantajosa para todos. Generoso como é, estou certa que o Dr. Rui Aguiar não se esquecerá de ninguém, mesmo dos figurantes mais insignificantes... Bom...
― Só mais uma coisa, Vera! ― interpelou o advogado.
― Posso roubar-te o título da primeira página do Diário?
― A Força do Destino, Rui?
― Sim, minha amiga!
― Se o senhor escritor me prometer que não omitirá o mínimo detalhe daquela tarde em que, sentindo-o passar-me voluptuosamente o bronzeador nas costas, na praia da Azambujinha, cheguei a iludir-me e a imaginá-lo..., enfim, passemos, senão a Cris ainda vai pensar o que não foi, estou perfeitamente de acordo!
― E quanto lhe devo pagar, menina?
― A ilusão só exige um tributo a quem a tem. Essa não a teve, pois não?
― Não, mas ainda não é tarde de mais, Vera!
― Para mim é e, de qualquer maneira, essa ficou saldada naquele dia! Vá, escreve isso depressa! Até logo e bom apetite a todos ― disse corada, acenando e correndo apressada.
― Até logo, Vera! ― exclamou todos.
E, aproveitando o conselho, não perderam mais tempo. Depois da refeição, os compadres foram passear pelo pinhal de braço dado, curtindo o Sol Primaveril. No jardim florido, os botões das rosas abriam-se a olhos vistos e as maias, amarelinhas como as gemas, davam outro encanto à floresta, onde os passarinhos, acasalando-se e chilreando, faziam os ninhos; envaidecida com aquele promontório, em natural expansão, a Sílvia não cessava de elogiar o marido, contando aos cunhados as brincadeiras nocturnas com o bebé ou as longas esperas para o ver mexer e lhe fazer cócegas; a felicidade, tantas vezes ameaçada, assentara definitivamente arraiais nos seus corações; Cristina, essa, bem olhava para a barriga, mas ela mantinha-se firme e elegante como há um mês atrás.
Quando voltaram, duas horas depois, Dr. Edgar, que tentara dormir a sesta, mas não conseguira fechar os olhos, tal era a ânsia de elaborar o contrato para apresentar ao embaixador dos Estados Unidos no dia seguinte, apresentou ao genro um rascunho. Assentado-se no sofá com a noiva, Pat leu-o baixinho e pediu ao sogro que aumentasse a contrapartida financeira para três milhões de dólares e lhe salvaguardasse, numa cláusula especial, os direitos da edição inglesa e francesa do romance, cuja publicação devia ocorrer, na pior das hipóteses, dois meses depois da projecção do filme. Erguendo-se, a médica foi à sala de televisão chamar o irmão e a cunhada para tomarem o lanche com os pais, porque o Dr. Félix, cansado, preferira retornar a Santo Amaro mais cedo e a Celina dormia ferrada no quarto do sótão, onde se costumava refugiar para reviver o passado e falar com a mamã, cuja foto a rival aí afixara depois da tragédia.



Nas duas semanas que se seguiram, enquanto afinavam os últimos detalhes do dia mais desejado da vida da filha, Dr. Edgar e a professora Susana tentavam resolver tudo a tempo, para que no dia 12 de Maio à noite pudessem estar em Fátima para participar na tradicional procissão das velas. Rui Patrício, que depois do amistoso encontro com o simpático embaixador Frank Tartucci, percorrera religiosamente os sítios onde, naquele inesquecível Verão de 1973, o seu coração, antecipando a revolução de Abril de 1974, se libertara dos fantasmas eclesiásticos e, tal condenado, se lançara de cabeça perdida nos inebriantes braços do amor, decidira refugiar-se no seu quarto e escrever freneticamente o romance que todos lhe reclamavam. Sabendo-o tão obcecado por essa ideia, a Sra. Noémia deixara de utilizar o aspirador para não o perturbar; a Celina, compreensiva, nunca mais pedira para lhe contar histórias antes de dormir, evitando roubar-lhe tempo e distraí-lo; o arquitecto, esse, aproveitara para ir à Asneia, a aldeia do senhor Xaquim de Angola, procurar o Manel da Rita, a quem pagou para que florisse, regularmente, a campa dos pais do único soldado da aldeia falecido na guerra colonial, antes de ir visitar a da sua Alice e convidar os tios do Rui Patrício, que nunca mais voltaram à terra, para o casamento; Cris, atarefada com a organização da cerimónia, só vinha ter com o ermita solitário, à noite, para dormir, ou quando, sob a influência das cenas que descrevia, ele lhe pedia que lhas relesse, acabando, quase sempre, excitados pela magia do erotismo, por fazerem amor; Vera, que, entretanto, começara a publicar as entrevistas realizadas antes da aventura africana, telefonava-lhe todos os dias à hora do almoço, para saber se já tinha escrito a cena da praia da Azambujinha; Paula, a trabalhar para a Sampaio & Aguiar, Advogados, cujos escritórios provisórios eram os do Rui em Miraflores, andava muito ocupada com a escritura do apartamento que havia sinalizado com o dinheiro do Austin Morris; no hospital, o pessoal e os doentes começavam a sentir saudades da Dra. Cristina, apesar de ela os visitar de dois em dois dias; padre Ximenes, em Manique do Estoril, ensaiava o coral para que os cânticos do matrimónio do irmão comovessem os anjos do Céu; no solar, a ilustre família engajara temporariamente mais duas empregadas para porem a mansão a brilhar, enquanto que Júlio, Sílvia e D. Elvira, a trabalharem dia e noite como mouros, cuidavam da organização da viagem dos convidados que haviam manifestado o desejo de se deslocarem a Fátima de excursão.
E, assim sublimados pela azáfama, ninguém viu os dias passar!


No dia 9 de Maio, segunda-feira, depois de uma inebriante noite de felicidade, quando acordou, Rui, que nem sentira a sua vénus abandoná-lo, espreguiçou-se e, abrindo os olhos, comoveu-se até à raiz: uma enorme cesta de flores naturais, provavelmente colhidas na véspera pela Cris e pela Celina, tapava completamente a secretária, onde, durante oito dias a fio, numa frenética corrida contra a exiguidade do tempo, ele deixara o coração chorar, sorrir e bater ao ritmo apaixonado da sua autobiografia. Emocionado, o escritor olhou o manuscrito, cujo derradeiro capítulo escreveria no avião, lá no firmamento, quando admirasse os castelos de nuvens, e, pegando numa rosa vermelha, cheirou-a demoradamente, regando-a com as irreverentes lágrimas do amor. De tabuleiro nas mãos, Cristina, que, numa combinação de rósea musselina, descobria a alegria que escorria da alma do noivo, tossiu forte e, pousando o pequeno almoço na cómoda de ébano, foi beijar-lhe os lábios e lamber-lhe sensualmente o rosto salgado, abraçando-o tão fortemente que os seios, julgando-se asfixiados, espreitaram aflitos, como que a pedir socorro. Esquecendo a porta aberta, eles desnudaram-se e, enlouquecidos, apostrofaram a tumescência matinal, num vaivém tão furioso e endemoninhado que, no bule, o café nem teve tempo de arrefecer. Depois, assentando-se na cabeceira da cama, encostados às travesseiras, e pousando o tabuleiro nos joelhos, ofereceram-se mutuamente os bolos e os sumos, antes de beberem um café bem forte para não dormirem diante do oficial do registo civil de Cascais.
Constatando o atraso, Rui fez a barba, deixando a noiva tomar banho, e só depois é que se aduchou à pressa, enquanto ela se pintava e maquilhava. Calçavam os sapatos, quando a Celina lhes bateu à porta.
― Despachem-se, senão ainda ficam por casar, seus malandros! ― gritou impaciente, espreitando pela fechadura.
― Por favor telefona à vovó e diz-lhe que nós vamos directamente para a conservatória ― ordenou o advogado, apertando o cinto preto.
Correndo lesta, Celina avisou a professora Susana e desceu para o jardim a admirar o poupo branco da vovó Noémia, toda bonita, com um vestido escuro e uma bolsa preta como os sapatos, enquanto o arquitecto vestia umas calças aos quadrados e um casaco de malha a cobrir uma camisa de manga curta, sem gravata, como de costume, desde que a D. Alice morrera.
Cinco minutos depois, penteados e perfumados, os noivos desciam de casaco na mão, para não o amarrotarem. O advogado escolhera um fato claro e uma camisa azul de colarinho branco, que uma gravata florida quase eclipsava; a médica, essa, vestindo um conjunto cor-de-rosa claro, para atenuar a brancura da blusa de ouro bordado, como o medalhão da bisavó Vilhelmina, a pulseira e o anel que o Rui lhe oferecera, ia muito chique; a saia, que lhe bailava por cima da rótula, dava-lhe às pernas um look sedutor que os olhos suavemente pintados e os lábios rosados acabavam por divinizar.
O arquitecto e a governanta partiram no Mercedes, enquanto a Cély fez companhia à Cris, no banco traseiro do BMW, conduzido pelo paizinho que, por causa do Sol intenso, usava óculos escuros. Segurando a bolsa da mãe adoptiva, a mocinha não parava de a olhar e de lhe piscar orgulhosamente.
Em Cascais, diante do edifício da Câmara Municipal, uma multidão de curiosos, sobretudo senhoras e donzelas, aguardava ansiosamente os ilustres conterrâneos com cestas de flores e punhados de arroz; três repórteres do Diário, armados até aos dentes com câmaras de filmar e máquinas fotográficas, espreitavam em todas as direcções, tentando colher os noivos de surpresa.
Entretanto, Dr. Edgar e a esposa, elegantemente vestidos, ladeavam o Sr. Conservador do Registo Civil, enquanto a Sílvia, segurando o ramo da noiva, descansava num banco da entrada, pois a menina começava a pesar. Júlio, esse, ostentando orgulhosamente o seu fato de brigadeiro, mantinha os transeuntes a uma respeitosa distância para que a maninha não sufocasse à chegada, observado pela elegante Vera.

Finalmente, o BMW da médica, rolando pacatamente, contornou a multidão e estacionou no lugar que lhe estava reservado. Rui pediu à filha que fosse buscar o ramo de flores da Cris, saiu do carro e vestiu o casaco. Depois, sorrindo feliz, abriu a porta à noiva e esperou que ela se penteasse.
Ligeira, Celina, pegou cuidadosamente no ramo de flores campestres e rosas brancas e amarelas que a Sílvia lhe deu e, entregando-o orgulhosamente, beijou-a, balbuciando baixinho:
― Muitas felicidades, Cris!
O pai fitou a noiva e, sorrindo à filha, murmurou:
― Obrigado, filha!
― Obrigada, filhinha! ― agradeceu Cris, acariciando-lhe o rosto macio.
E não se disseram mais nada. Trancado o carro, dirigiram-se para as escadarias, onde foram aplaudidos entusiasticamente pelas pessoas, beijados pela família e cordialmente recebidos pelo conservador.
Metralhados por centenas de flashes cruzados, os noivos pararam no patamar de granito, sorriram à multidão e, acenando, enviaram-lhe um beijo de gratidão, que muito sensibilizou aquele povo hospitaleiro.
Depois, no interior, de lidos os direitos e os deveres dos casais, constatando a aceitação mútua dos noivos, o conservador declarou-os casados perante a lei e convidou-os a beijarem-se, sob os mais veementes aplausos das testemunhas. Como Pat e Cris reservassem as alianças para a cerimónia religiosa, o oficiante mandou-os assinar o registo e, pedindo-lhes que se sentassem, desejou-lhes os mais sinceros votos de felicidade, oferecendo-lhes, antes de lhes apertar a mão, o livro histórico de Cascais, que eles agradeceram.
Entretanto as testemunhas, encabeçadas pela Celina rodearam os esposos, beijaram-nos e felicitaram-nos, enquanto o povo, sem arredar pé, aguardava impacientemente a saída dos seus príncipes.

Mal surgiram na porta, Pat e Cris foram beijados por milhares de pétalas de rosas e grãos de arroz e um vivam os noivos que ecoou pelas vielas contíguas à Câmara, fazendo parar o trânsito na cidade. As máquinas vídeo e fotográficas não se cansaram de perpetuar aquele brado de carinho e simpatia, disparando raios de luz em todas as direcções. Foi então que, acenando e lançando à multidão delirante um beijo afectuoso, os esposos se dirigiram para o BMW, onde os esperava o arrumador de automóveis da Boca do Inferno com toda a sua família e um ramo de flores que a caçula ofereceu à senhora doutora, enquanto o pai estendia a mão ao herói.
― Muito obrigada! ― bradou a médica, beijando-lhe o rosto.
― O Sr. José Barros escusava de se preocupar connosco! ― disse o advogado, beijando a esposa do arrumador.
― Neste momento feliz da vossa vida, eu queria apenas desejar-lhes muitas felicidades e bênçãos de Deus e dizer-lhe, que eu e a minha família, gostamos muito dos senhores ― acrescentou humildemente.
― Muito obrigada, Sr. Barros, e que Deus lhes dê o cêntuplo do que para nós desejam. Adeus! ― agradeceu a noiva.
― Adeus! ― exclamaram eles, sorrindo e acenando.
Sentando ao lado do marido, Cris virou-se para trás e, oferecendo o ramo de noiva à filha, disse-lhe:
― Que o perfume destas rosas apaixonadas acompanhem os teus passos, para que nunca duvides do nosso amor por ti, Cinderela!
― Muito obrigada, rainha Anitsirc! Estas vou guardá-las numa caixinha de vidro e pousá-las na mesinha de cabeceira, para que a minha vida nunca deixe de ser um verdadeiro conto de Fadas e o meu Príncipe Encantado me sida para todo o lado!
― Queira Deus, mas vê lá não penses muito nos rapazes, filha! ― rogou o pai, empiscando enciumado.
― És bem tonto, papá!
― Tonto?! Eu?!
― Tu pensas que eu não sei como tu és, não?!
― Pst! Não digas nada que a Cris pode ouvir! ― segredou baixinho, escondendo os lábios com a mão.
― Está bem papá! ― acatou a mocinha, antes de segredar ao ouvido da mãe: ― Eu depois conto-te tudo, Cris!
E, abençoados, lá partiram rumo ao Monte Estoril.
No solar, a luz, entrando de roldão pelas amplas janelas do salão, dava às mesas redondas, aos vasos floridos e aos castiçais de prata, donde emergiam velas brancas, um ar festivo e nobre, sobretudo quando as mil lâmpadas dos candelabros se acendiam e se iam espelhar magicamente nos olhos radiantes dos convivas.
Antes de voltar ao Diário com os fotógrafos para revelarem as fotos, Vera ainda tomou a sopa de marisco e comeu o melão com presunto da entrada à pressa, para que a reportagem estivesse concluída antes dos convivas se separarem.
Quatro horas depois, mostrava orgulhosamente aos convidados, que conversavam e tomavam o digestivo à sombra dos pinheiros mansos, as fotos encantadoras deste maravilhoso e inolvidável dia, recebendo como recompensa a notícia de que o manuscrito de A Força do Destino já dormia no fundo da gaveta, desde a madrugada.

Curiosa, Paula, que, devido à azáfama da abertura da Sampaio & Aguiar, só chegara a meio do almoço, ofereceu-se logo para ir com a jornalista fazer uma quádrupla fotocópia do romance, porque, além delas, também a professora Susana e a Sílvia morriam de ansiedade para ver o que o Rui pensava delas. Foi então que a Sra. Noémia aproveitou a boleia da jornalista e retornou a Santo Amaro, entregando-lhe o manuscrito.
Às dezanove horas, quando elas regressaram com cinco resmas de papel, a sogra e a nora, que tomavam um chá, largaram tudo e foram sentar-se nos sofás e, esfolhando o livro, procuraram as passagens que mais as excitavam. Receosa, Vera preferiu voltar para Lisboa e lê-lo tranquilamente em casa, arrastando a Paula consigo até à Brandôa.

Na terça-feira, após um regenerador sono matinal, Rui conduziu a esposa até ao hospital e dirigiu-se para a avenida 5 de Outubro, sede do Diário, para falar com o Sr. Mário Wellenstein que, aconselhado pela assessora, lhe propôs a publicação, no jornal, da sua excitante autobiografia. O homem de leis, porém, lembrando-se da sua cara metade, prometeu dar uma resposta à Vera, com quem jantaria, na Boca do Inferno, até porque devia consultar a Twenty Century Fox, que lhe comprara os direitos de autor para a versão inglesa.
Posto isto, o advogado e o director saíram e foram beber um whisky. Foi então que o Sr. Wellenstein lhe falou do projecto de um canal de televisão privado. Uma hora depois, ao despedirem-se, o director revelou-lhe:
― Caríssimo Rui, nós estamos a pensar em si para liderar esse projecto.
― Contem comigo, se for para dar a voz à liberdade e para fazer uma televisão popular, mas educativa e defensora dos valores humanista!
― Com certeza! Bom, mais uma vez, muitas felicidades, Rui!
― Obrigado, Mário. Adeus! Até sábado! ― agradeceu comovido, apertando-lhe entusiasticamente a mão.
Passando pelo hospital, o advogado foi saudar a cunhada que, vendo-o sorrir, corou como um pimento e baixou instintivamente os olhos.
― Olá! Vejo que já acabou de ler o livro, Sílvia! ― constatou radiante, beijando-lhe o rosto avermelhado.
― Com aquele erotismo todo, duvido que haja alguém que seja capaz de o largar a meio! ― ironizou envergonhada, mexendo nos papéis, cabisbaixa.
― Eu bem te avisei, menina! ― lembrou a directora, surpreendendo-os.
― Se estivesse no teu lugar, eu não lhe deixaria publicar o livro, Cristina!
― Porquê?! ― perguntou a médica, empiscando ao marido.
― Sei lá, as mulheres que o lerem podem ficar a fantasiar, a...
― Eu lhe pedi que evitasse a descrição pormenorizada de certas cenas, mas ele não me escutou, Sílvia.
― Assim, ele nunca será seu a cem porcento, Sra. Directora!
― Eu nunca tive essa ilusão, porque nunca ninguém consegue ser ou ter alguém a cem porcento, mas...., enfim, agora... sei qeu quanto mais o quiser amarrar, mais ele me fugirá...
― Há pessoas que podem ficar escandalizadas e pensar que em vez de um anjinho, afinal, anda por aqui um diabo à solta.
― Diabo?! Eu?! Credo, comadre! ― refutou escandalizado.
― Logo que me conduza diariamente ao sétimo céu...
― Diariamente é impossível, Cristina! ― sentenciou incrédula.
― Psch! Estás a ir longe de mais, meu amor!
― Tens razão, Pat! Bom, agora só nos resta fazer duas edições: uma tal qual e outra, mais pudica, para toda a gente.
― Óptima ideia! ― apoiou o escritor.
― De resto, está óptimo, compadre! ― opinou Sílvia, sem o fitar.
― Pois, mas para surtir efeito, é imprescindível que o Júlio o leia, senão é a comadre quem vai passar a noite a chupar no dedo ― volveu malicioso.
― Pat! ― repreendeu a esposa, incomodada, puxando para fora.
― Até logo! ― gritou Rui, acenando de costas.
― Até logo, compadre! ― respondeu a gestora, sorrindo.
No corredor, os noivos foram abordados pela Dra. Celeste que os felicitou e lhes confirmou a presença da delegação no Santuário de Fátima no dia 14 de Maio.

Na quinta-feira, Pat e Cris reservaram o dia para ir receber os convidados africanos, cuja estadia em Portugal se prolongaria por uma semana, ficando a secretária do advogado dispensada de ir trabalhar para servir de guia aos conterrâneos.
À noite, depois de jantarem com os amigos angolanos, na pensão familiar onde foram instalados, os noivos voltaram a Santo Amaro a tempo de assistir, com a Sra. Noémia, o Dr. Félix e a Celina, à transmissão televisiva da célebre procissão das velas, comungando o fervor da multidão, visto a verdadeira missa de acção de graças ser a do casamento.


No dia 13 de Maio, sexta-feira, depois do almoço, Cristina, que passara a manhã a ler as dezenas de cartas, postais e telegramas que haviam chegado ao solar, ao consultar a agenda, constatou que não arranjara as malas para a lua-de-mel e, pedindo ajuda ao marido, fê-las durante a sesta, antes de partirem com os pais, os padrinhos e a filha para Fátima, onde pernoitariam, pois o advogado havia recusado a oferta do brigadeiro, que queria transportá-los num helicóptero da força aérea.
Dr. Edgar, D. Susana, Júlio e Sílvia seguiram todos juntos, enquanto Dr. Félix e Celina acompanharam os noivos, porque a Sra. Noémia, que festejava a sua sexagésima oitava primavera nesse dia, preferia viajar de autocarro com as famílias dos funcionários do hospital, que sairiam na madrugada da cerimónia para evitar o engarrafamento.
E foi ao pôr do Sol que chegaram a Fátima, dirigindo-se imediatamente para o hotel, onde se repousaram até que a noite envolveu o santuário.
Depois, saindo incógnitos, Pat e Cris percorreram o trajecto que os conduziria ao altar onde, dentro de horas, selariam para sempre as suas vidas.



Continua em : Capítulo XIII


LMP - LUXEMBURGO, FEVEREIRO de 1997

LUD
MacMartinson