quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Vidas Drogadas - 3º Capítulo e... notas soltas !


III



Nesta quinta-feira, 8 de Outubro de 1998, Vera, que passara a noite a cismar com o futuro e a tentar desliar o tão embaralhado novelo da sua vida, só se ergueu às nove e meia para ir a Larochette falar com patrão. Agora, mais que tudo, e por muito que lhe custassem as críticas e as piadas recriminatórias, o trabalho era a


E se nem a prisão lhe conseguiu roubar a Liberdade e a evasão que o sonho procura, a quem nele acredita indomitamente, não seriam as coscuvilheiras das colegas ou más línguas justiceiras que a demoveriam dos seus nobres propósitos ou a impediriam de alcançar a felicidade por Deus prometida à Humanidade.única chave que lhe podia entreabrir as portas do inferno para, depois de uma efémera e obrigatória passagem pelo purgatório, poder aspirar e sonhar, como qualquer mortal, com o paraíso.

Enquanto conversava com a empregada, vendo a Brasserie encher-se de gente, o patrão, que começava a sentir o seu coração frio entrar em ebulição e apiedar-se com a narração plangente da empregada, sugeriu-lhe:

E, se em vez de amanhã, vestisse já o avental, Vera?

Está a falar a sério, senhor André?

Ainda duvida, madame?


Não, mas, como tencionava ir às compras, vim toda pintada e…

Melhor! Assim os clientes comem com mais vontade! atalhou jovialmente o patrão, acenando a um amigo que passava de cheque na mão para a Banque Internationale, que fazia paredes ameias com a Brasserie de l’ Ernz Blanche.

É, tem razão! aceitou a empregada.

Carminda!!! gritou o luxemburguês de origem espanhola.

Sim, patrão!

Vá buscar um avental à Vera e, por favor, ceda-lhe o seu lugar na caixa, porque ela não está preparada para ir para a cozinha!

Com certeza! aceitou desdenhosamente a divorciada, fustigando de soslaio a criminosa com um olhar polvoroso.

Empiscando à Vera na passagem, o patrão retirou-se para não ouvir os insultos sussurrantes que as cunhadas foram trocando discreta, mas venenosamente entre elas, enquanto a azáfama do meio-dia não dissipou o rancor odioso que morava nas suas cabeças ociosas.

Pelas treze horas, surgiu no terreiro um rapazito barbudo que começou a acenar e a gesticular jovialmente na direcção da caixa para desviar a atenção da Vera da gaveta dos trocos. Como ela não lhe passasse cartucho, encheu-se de coragem e, esticando as sobranc

elhas espessas, ajustou a boca entre as palmas das mãos e chamou baixinho:

Ó madame! Ei!…Madame!

Como ninguém lhe respondesse, berrou zangado:

Vera!!

Tchut! Fala mais baixo, Valdir! sussurrou a empregada, fazendo menção de se abeirar discretamente dela.

A senhora Dora quer que a madame passe lá por casa!

Porque? Há novidades, Valdir?

Novidades?! Que novidades? Eu não sei de nada, Vera! declarou o in

ocente, embasbacado com a silhueta da Carminda que não tirava o olho dele.

Está bem, diz à senhora Dora que eu irei ter, logo que possa. Obrigada!

Tchau, madame!

Tchau, Valdir! bradou grata, esboçando um sorriso tão brilhante que fez o coração do simplório pular de alegria, narcotizando-o para o resto do dia.

E, ajustando a casaca de plástico com reflectores nocturnos, o lusitano deitou as mãos à carreta e lá se foi pensativo pela calçada.

O Valdir é um homenzinho que, pela sua simplicidade e uma certa ingenuidade espiritual, se torna o bombo da festa do chico-esperto saloio que, mais não tendo para

dizer ou escarnecer, passam a vida a implicar com o pobre rapaz.

Baixinho, de corpulência franzina e débil estrutura mental, o Valdir ficou órfão em tenra idade. O suicídio do pai, alfaiate e amante do desporto, deixou-o ao Deus dará, porque a mãe, a braços com o dificílimo e árduo sustento da família, não tinha um minuto a perder com mimos, porque era de pão para a boca que a sua prole necessitava. No Fielser Stuff, café onde está hospedado, Valdir já faz parte da mobília e da quezília quotidiana. Raros é o compatriota que, tomando-o por um idiota, não lhe acizente a mioleira. Basta dizer mal do Benfica, para que ele salte logo aos arames, mas a zanga é passageira e, ficando-se pelas palavras, quase sempre termina com a barriga dos contentores encostada ao balcão, para gáudio das empregas da Ana e do Zé, os patrões, a quem complacência reinadia sempre caiu como mel no goto dos compatriotas, que fazem do café a arena das suas embriagadas e alteradas tertúlias desportivas, quando não é do s

exo fraco e dos azares da vida que se fala. Depois de passar de patrão em patrão como uma moeda de troca, Valdir, que herdara do pai a mania dos futebóis, conseguira um lugar de faxineiro municipal, profissão que orgulhosamente exercia desde que ficara sem o rendimento mínimo garantido. Pequeno e modesto, o Valdir tem, sem dúvida, uma alma gigante de generosidade, e a sua simplicidade vale-lhe o mais carinhoso afecto da comunidade, que muito se alegra de o ver brincar com os meninos da escola como se fossem homens da sua idade! Mas como seria bem melhor o mundo, se mais Valdires houvesse por toda a parte! Assim, até nem seria preciso muito dinheiro, engenho ou arte para que este planeta azul deslizasse sobre ouro!

À tardinha, como as mesas estivessem desertas, o senhor Andrez empiscou à

empregada, que ajudava as colegas a limpar as bancas da cozinha e, apontando para o relógio, despachou-a discretamente para a retaguarda, onde a autorizou a largar o seu posto de trabalho mais cedo, a fim de poder ir ao supermercado fazer as compras de que lhe falara de manhã.

Largando o avental, Vera nem se lembrou de pentear os cabelos e enxugar o rosto suado. E, pegando na bolsa, atravessou a estrada, desaparecendo pouco depois no Mazda 123. Ao passar diante do Fielser Stuff, não se apercebeu dos acenos e dos sorrisos que o Valdir lhe lançou jovialmente até a perder na esquina da rua do Pão. Obcecada, ela só pensava nos chocolates que havia de comprar para a filha nas Caves de Portugal, que ficava cinquenta metros mais a cima, mesmo em frente da farmácia.

Servida pela Paula, a caçula do primeiro ensaiador dos Campinos do Ribatejo de Larochette, o mais célebre rancho folclórico juvenil português do Grão Ducado, que casara com o Noribal, um perspicaz jogador de sueca transmontano da Campeã, a Vera, que deixara o motor ligado, agarrou-se ao volante, apressou-se a carregar no acelerador e a desaparecer na embocadura da rua Michel Rodange, o Camões luxemburguês, onde morava a senhora Dora.


Reconhecendo o ruído ronronante da viatura, a ama colou o dedo sobre os lábios para impor silêncio às crianças e gritou:

Abra! A porta não está trancada!

Incomodada pela vizinha, que a espiava da esquina da rua, Vera entrou de roldão e sem prestar atenção e quase ia atropelando a menina que se encontrava no meio do corredor sombrio.

Desculpa minha…Florbela!!! Oh, obrigada, meu Deus! És tu, Florbela? explodiu atónita, baixando-se instintivamente para abraçar e cobrir de mil beijos desesperados e langorosos a filhinha.

Para onde foste, que demoraste tanto, mamã?? questionou a menina.

Fui para longe ganhar sussú para a Barbie, minha querida!

Para longe?! Muito longe, mamã??

Sim, Florbela, eu o teu papá fomos para muito longe!


E o papá? Ficou em casa a fumar e a brincar com as agulhas?

Não, filha, o papá mandou-me embora de lá para cuidar de ti!

E o papá ainda vai demorar muito, mamã?

O tempo que Deus quiser, filha, mas…tu estás muito linda! Diga, senhora Dora, a Florbela portou-se sempre bem ou não? questionou curiosa por cima dos caracóis da criança, empiscando para disfarçar.

Ah! A sua Florbela foi dar um passeio à cidade e veio de lá uma mulher feita, D. Vera! revelou a ama, acariciando a menina.

À cidade?! Qual cidade? Então quer dizer que ela não esteve aqui? inquir

iu espantada.

Como a madame foi para longe, a Florbela quis ir à sua procura pela cidade, mas só lá viu crianças! respondeu a senhora, fitando a criança.

É verdade, Florbela? insistiu a mãe.

Sim, mamã, na casa grande há muitos meninos e meninas e mesas muito grandes, quartos muito grandes e panelas muito grandes…

Panelas muito grandes?! Não me digas que é para cozer o João Ratão da Carochinha?

Oh! És bem tola, mamã! As panelas grandes cozinhar a sopa e as batatas e as couves e as cenouras e o arroz! Onde é que já se viu os meninos e as meninas comerem ratos? A minha mãe parece não vem muito boa de lá longe, pois parece, mamã Dora? argumentou desenvolta, levando o indicador à cabeça.

E gostaste de ter ido à cidade, filha?


Muito mamã! Sabes, eu gostei tanto que até prometi à madame Ginette que hei-de lá voltar com o Huguinho, o Miguel e a Celina. Vós ides lá comigo no carro do ti Florindo, pois ides, cambada? indagou com ares de chefe.

Ver a mesa grande e a sala grande e…

Sim, Celina, ver a casa das coisas grandes, ides ou não? insistiu séria.

Vamos! responderam as crianças em uníssono, arregalando os olhos de júbilo e lançando-se aos trambolhões uns para cima dos outros.

Cuidado, senão ainda vão parar ao hospital que também uma casa muito grande! avisou a senhora Dora, retirando a casaca da Florbela do cabide.

A propósito, com quem vieste da cidade, filha? perguntou Vera cur

iosa, ajudando-a a apertar os botões.

Com a madame Ginette e um senhor muito simpático que falava português como nós! — respondeu sem hesitar.

Um senhor simpático, Florbela?!

Sim, mamã, ele beijou-me e disse-me que te conhecia a ti e à Aline!

E como se chamava esse senhor simpático?

Hugo! Acho que se chamava Hugo, não é, mamã Dora?

É! O senhor que acompanhou a Florbela até aqui chama-se Hugo Amado! confirmou a ama, dando de olhos à Vera.

Vá, filha, diz adeus à senhora Dora até amanhã!

Hum! Tchau, Hugo! Tchau; Miguel! Tchau, Celina! disse a menina, acenando radiante, depois de beijar carinhosamente a mamã Dora no rosto.

Tchau!!! Tchau, Florbela!!! bradaram os companheiros, gesticulando felizes e reinadios.

E, orgulhosa por ir ao colo da mãe, Florbela lá se deixou arrastar até ao M

azda. Do balcão, a senhora Dora ainda a viu lançar-lhe um beijo pelo vidro de trás e desaparecer na calçada calcária da Michel Rodange, a rua onde nascera e brincara tantas vezes o poeta que lhe dera o nome.


Notas soltas,

confidências,

preocupações,

decisões...

Bissen, quinta-feira, 23-09-1999 6h:19’:15”.



Apoquentado por ânsia febril de dar corpo à tragédia da Vera e do Hugo, quase não consigo dormir. É assim comigo, quando se mete qualquer coisa na minha cabeça: não descanso enquanto não terminar o que comecei e de realizar o que sonhei. E será por isso que o meu secreto desejo de menino de bibe e pião ser advogado para fazer justiça e meter na prisão os larápios que puseram o meu pai à falência, mudando radicalmente a vida de sonho da filha do Sr. Macedo, que com aquela ousada ou suicidária coragem salvou de morte certa colegas e oficiais sitiados e sob intenso fogo alemão naquele 9 de Abril de 1918, engrossando a extensa lista dos heróis de la Lys? Sinceramente não sei!

É nosso destino passarmos por este mundo sem sabermos o que este dia nos reserva e se o de amanhã chegará a ser. Mas deixemos que o tempo se cumpra ou seja....

Há uma hora que não consigo recolar o sono perdido com a enxurrada que se abateu sobre estas paragens da Gutland luxemburguesa: impaciente de chegar ao fundo do túnel que as “Vidas Cruzadas ” abriu em mim, de nada me adiantam as voltas e reviravoltas na cama e o dorme da deusa que atura este barril de pólvora, que eu sou, me sussurra ao vido.

Desde segunda-feira à noite, que não paro de pensar e reflectir na maneira de engendrar este romance que ouvi na pacata aldeia de Ermsdorf, onde estivera para fotografar e filmar o casamento da Beth, filha de amigo de infância que sempre admirei, com o Joeri, um simpático holandês. Fui vender um terreno ao Gilberto e à Aline e, quando o negócio falhado, entrou a Vera pela sala dentro e, ao fim de quatro nostálgicas horas de reminiscência saí de lá com o prédio vendido e esta história comprada.

Enquanto a chuva batia no telhado e para fazer horas de levar a Sara, a caçulinha que acaba de escrever a sua primeira história em francês, à escola, revivi o percurso destes três dias de azáfama, em que tudo se engendrou no tear pensante que Deus me pôs sobre o pescoço.

Terça-feira de manhã expliquei à minha confidente as razões que me fizeram entrar perto da meia-noite no paraíso para onde viemos morar no mês em que a Vera foi atirada para o inferno de Schrassig e, como eu na véspera, também ela se comoveu. Encorajado comecei logo a matutar no enredo e a lutar para chegar ao fim do segredo e da verdade destes degradados filhos da diáspora lusitana.

Pensei e cogitei até a luz despontar neste enigmático pedaço de massa encefálica. Depois de deixar na lixeira a pubelle do SIDEC de Erpeldange os papéis e os plásticos armazenados ao longo de duas semanas, desci a Diekirch para falar com a Vera, mas deparei com o pai do Hugo numa garagem da rua de Bamerthal e parei para ouvir o homem educado e simpático com quem jogara vezes sem conta, mas que o meu impetuoso espírito revoltado matara mentalmente horas antes.

Cumprimentei-o e recordei-lhe as palavras que ele me dirigira meses antes no Banco Totta e Açores, na rua da Gare, desculpando-me pela pouca atenção que lhe prestara, apesar da tragédia que viviam. Disse-me que o Hugo ia melhor e que, por enquanto, os negócios dele lá continuavam entregues aos colegas. Falou-me também da gravidade do acidente e da convicção de que o internamento dele na Clínica St. Louis em Ettelbruck fora prejudicial, o que vinha contratar com o que me fora dito antes. Apressados como estávamos ambos, ainda lhe recordei o jovem pacato que conheci em 1990, quando, confrontado com as despesas da faculdade, o estudante de direito respondeu a um anúncio e me apareceu no Hotel Sheraton para descobrir as técnicas de venda que lhe ministrei, mas, confesso, sem grande sucesso porque, introvertido e demasiado tímido e, quiçá, inocente, o futuro advogado vivia ainda inconsciente no mundo de sonho que os seus pais lhe haviam idealizado. Depois de desejar umas rápidas melhoras ao Hugo, despedi-me do pai dele, pedindo-lhe que me telefonasse logo que fosse possível.

Ao apertar de mão do senhor Leonel, olhei-o e senti que por detrás da sua natural e sorridente bonomia se escondias um mundo de contradições e arranquei, indo estacionar o Opel Omega mesmo ao lado do carro da Polícia. Peguei em três livros e bati a porta, correndo à procura do escritório do pobre advogado que, segundo as frescas indicações paternas, ficava perto da ponte sobre o rio Sûre, no local deixado vago pelos electrodomésticos do irmão do Hugo. A vitrina, antes super iluminada para melhor vender os robôs movidos a electricidade, estava totalmente recoberta com um manto de plástico translúcido, por detrás do qual os clientes do neo-advogado haviam certamente confessado e posto à luz do dia a mais obscura privacidade ou, mentindo, tentado seduzir o defensor da verdade para escapar à justiça e recuperar a liberdade.

E o meu coração comoveu-se ainda mais, quando, lendo “ Avocat à la Cour .” escrito em letras negras cavadas na placa dourada que a família do advogado orgulhosamente ali mandara gravar, não resisti à tentação de a tocar com a ponta dos dedos, como se da mão do Hugo se tratasse. Num ápice imaginei-me no lugar dele, mas em 1979 e em Coimbra, e arrepiei-me! Quem me garante que, se o meu sonho de criança se realizado, como eu tanto desejava, o destino não me tivesse atirado abaixo do pedestal, para o qual parecia talhado e onde sempre me quis ver, para fazer sofrer comigo aquela que me deu o ser?

E, rezando mentalmente para que o advogado apaixonado não sucumbisse sem conhecer a verdadeira felicidade, atravessei a rua para me refugiar no Bistro, o novo café branché de Diekirch gerido pela Vera.

Como ela não estivesse, voltei para casa, imaginando as vezes que um e outro, fingindo espraiar uma virtual dor de cabeça ou a pretexto de aliviar o stress profissional com um cigarro fumado parcimoniosamente à porta do Bureau e do Bistro, se olharam, desejaram e amaram em silêncio, aumentando vertiginosamente a cadência dos corações adúlteros antes de sucumbirem aos assédios da libido e de consumirem o fogo da paixão à média luz no acetinado leito cor-de-rosa.

Aproveitando para ir buscar o meu filho que treinava no Etzella e com quem combinara assistir, no Café da Rosa, ao F.C do Porto Olimpiakos, a contar para a 2ª jornada da Champions League, desloquei-me a Diekirch e entrei no Bistro, deparando com a Vera sozinha atrás do balcão iluminado por spots dourados! Sorri, dei-lhe as boas-noites e pedi um carioca, aproveitando para satisfazer a curiosidade e descobrir as duas salas que ladeiam os cantos opostos do salão principal: máquinas de jogos na maior e nos fundos do café e sofás na menor e contígua à hall de entrada! Dois quadros eróticos, um homem e uma mulher em desnudada expressão corporal, decoram o muro principal, para fazer fervilhar na retina de quem os mira mesmo a esmorecida apetência sexual. Enquanto Vera me tirava pedi que mudasse o televisor do canal da Viva para o da RTPi, porque estava na hora de “os Lobos.”, mas a ensurdecedora música ambiente vinda das traseiras fez-me desistir da novela, até porque era ela quem mais me interessava escutar.

Depositando o carioca num canto da mesa, Vera assentou-se à minha frente e esperou que eu escrevesse uma dedicatória no Escravo do Amor, o meu primeiro romance, que lhe ofereci com duas versões antigas dos manuscritos “ Caprichos do Amor ” e “ Força do Destino”, a quem pedi que lesse e emprestasse à Aline. Entre um golo de café e dois dedos de conversa olhei-a e senti o seu rosto atraiçoá-la!

Peguei então na agenda e comecei a notar as datas de nascimento e de casamento dela, quando entraram quatro donzelas que a saudaram e foram estatelar-se a fumar nos sofás da saleta que ficava ao lado. Para não a empatar, consultei o relógio e, fingindo-me atrasado, puxei por uma moeda para pagar o carioca, mas ela, pegando nos livros, ofereceu-mo com um sorriso. Apertei-lhe a mão e prometi voltar com as primeiras páginas, deixando-a servir as simpáticas e graciosas mademoiselles da noite e correndo para o Café du Coin, onde o Gerson via o jogo com o Filipe, seu colega de equipa no Etzella e filho da Rosa.

O F. C. do Porto ganhava por um a zero e a garra com que encarava os gregos já deixava antever a vitória final. Em casa ainda passei pela CNN, a BBC e a NBC, as cadeias de expressão inglesa da minha parabólica, mas, como Timor não apareceu no ecrã, desliguei a televisão e fui-me deitar, adormecendo a recordar as vidas das personagens aqui retractadas, destacando, cruzando e colando factos longínquos que a memória me devolvia e pedia que desenterrasse e libertasse do esquecimento. E a todos dei vida, até que o sono me levou para o inconsciente mundo do sonho, onde tudo se planeia e desencadeia inevitavelmente.

Na manhã de quarta-feira, 22 de Setembro, depois de levar a minha princesinha à escola, tomei o café, lavei os dentes e, olhando para o sol que batia na vidraça, sorri: um raio de luz acabava de se acender no coração do buraco negro onde por onde viajava vertiginosamente esta intuição. E as palavras começaram a surgir fluidas, como agora, na folha imaginária deste ecrã computadorizado, metamorfoseando magicamente o sonho artificial que trazia na ideia e a realidade virtual que, irrompendo do nada, nos deixa a mente cheia.

De tarde passei por Larochette para confrontar esta ficção ebuliente, que o meu coração sente e tanto se apraz a endemoninhar ou deificar, com a gente que dá vida a este drama. Deles ouvi outras versões que procurarei confirmar, se o Hugo não se deixar arrastar abulicamente até definhar e passar definitivamente para o outro lado e o Ireneu sair do inferno prisional.

Agora, prisioneiro desta liberdade, que a criatividade cerebral me insufla nas veias e os neurónios me procuram, só me resta atravessar este túnel para ver o que está do outro lado.

Tive que largar o romance para ir picar a carta à ADEM e sofri uma desilusão: daqui a 3 semanas estou enforcado! Sem emprego e sem dinheiro…

À noite fui averiguar um pouco mais a Vera e saber a data da morte do Miguel!

Fiz-lhe ver que ela está a proceder exactamente como os pais dela e a causar à filha os mesmos traumas; falei-lhe da importância da vida e sugeri-lhe que escrevesse uma carta ao Hugo e, depois de lhe agradecer tudo o que ele fez por ela, lhe abrisse o coração dela e lhe confessasse que já não o amava, se é que o amou verdadeiramente algum dia. Mais que amor, ela pagou-lhe com o sexo a vergonha de que ele a livrou ao tirá-la da prisão.

Vera reconheceu que a paixão se consumiu rápido de mais e a união nunca seria total, porque entre eles havia diferenças insuperáveis. Além do estatuto social, o advogado herdara dos pais o complexo de superioridade e olhava os seus irmãos como seres inferiores. “ Agora que tens outra classe, não podes agir com os zés ninguém da mesma maneira!” “ Depois vais estudar para me ajudares no escritório e me seres útil…”

Quando a monotonia sexual esmorecesse, tudo acaba e, inevitavelmente, mal…porque o sexo é animal e jamais pode preencher o lado espiritual do homem, que é bem mais exigente e insaciável, mesmo se às vezes até parece que Deus não passa de uma realidade virtual.


Bissen, sábado, 25-09-1999 9:15:25

Acabo de reflectir com a Lina sobre as lições da véspera e as drogas da vida de uma pessoa. Neste momento inclino-me para “ vidas drogadas “, porque e, pensando bem, a nossa vida é sustida por várias drogas ao longo da sua existência: o sexo, o dinheiro, Deus e os estupefacientes a droga além do álcool e do tabaco. Depois de cogitar sobre o paralelismo das vidas das personagens, quisemos saber quando é que o dinheiro se transforma num vício, numa droga! E chegámos à conclusão que isso acontece quando esses valores fúteis e passageiros nos obcecam o livre-arbítrio, a ponto de os trocarmos pelos valores morais e vitais que realmente contam….


Bissen,13-12-2000 12:07:16

Só agora revi o romance, pois a vida tem-me obrigado a encontrar uma solução que me permita ser livre, realizar os meus sonhos e, sobretudo, manter dignamente a minha família.


Bissen, 08-08-2001 9:23:51

Revi partes do romance e, relendo as notas, vejo que Deus é realmente muito bom para comigo. Hoje, sinto-me mais confiante e sei que nada me imedirá de ter sucesso na minha vida, porque, no fundo, eu sei que estou a servir e ajudar muita gente e, assim, ajudando-o os outros, ajudo-me a mim!

Só espero que, quando tiver mais disponibilidade, a inspiração não me tenha abandonado.


Bissen, 04-01-2012

Talvez um dia possa terminar VIDAS DROGADAS, se tal for o desígnio de Deus !

2 comentários:

Anônimo disse...

Você so precisa me olhar...
Com os olhos da sua alma, eu sei.
Eu sei...
Me vi indecente dentro do teu corpo
que agora é meu tambem,
por um instante de amor,
distante,
ausente,
ofegante.
Eu o conquistei...
Você é meu, sem eu o querer.
Caprichos, nao de amor,
...de prazer
Bj.

Rafaele Domingues disse...

Adorei seu blog. Belíssimo. Tenha um bom fim de semana.
Rafaéle