segunda-feira, 9 de maio de 2011

Herói em fuga - Adeus até Abril ! - Cap.IV

IV


Perto da meia-noite, apoquentada pelo sono, colou-se ao príncipe para dormir também, mas o inconsciente entrou em delírio, repetindo um rosário de palavras sem nexo. Espevitada, saltou do leito para ir apanhar um bloco e uma esferográfica no armário da sala, mas quando voltou o sonhador emudecera. Enternecida, baixou-se para o beijar antes de dormir e viu-lhe o rosto molhado. Colhendo uma gota com a ponta da língua, confirmou o que a evidência crua e nua: eram lágrimas. E o seu coração entrou em pânico com a avalancha de pressentimentos.
Acordando assarapantado durante a noite, David levantou-se para ir ao quarto de banho e, parando diante do espelho para espremer a borbulha que lhe nascera na testa, descobriu espantado que estava todo vestido. Ao procurar um lenço para se assoar, apalpou a embalagem de comprimidos que o doutor Viegas lhe receitara depois da síncope da antevéspera diante da Giola e comer uns biscoitos para enganar o estômago e assim poder tomar as cápsulas vermelhas. E, sorrindo para o 3x médico gatafunhado na caixa, engoliu quatro comprimidos para recuperar o atrasado. Acalorado, descalçou as meias e despiu as calças e a camisa, entrelaçando-se na voluptuosa Marisa que, sentindo-o agarrá-la fervorosamente, fingiu dormir, deixando-se beijar nas costas, apalpar os seios e as coxas e baixar as calcinhas para que o membro viril arranjasse um aconchego onde cair.
Apesar do desejo, David reteve-se e acabou por adormecer assim, frustrando a vénus suspirosa que, vendo a tumescência esvair-se molemente, lá se resignou a colar novamente no sono. E o novo ciclo foi transcendental! Viajando pelo mundo etéreo do Além, Marisa sonhou, como há muito não se lembrava, e, feliz, ao acordar, quis dize-lo ao seu príncipe. Radiante, roubou-lhe um beijo, sacudiu-o e ele esmoreceu como um daqueles palhaços do circo que se partem todos e caem ao sobrado, antes de saltarem como cabritos.
— Deixa-te de brincadeiras que me assustas, David! — implorou queixosa.
Mas o insolente nem lhe ousou rir-se dela. Pensando que estava a gozá-la e se preparava para a violar, Marisa antecipou-se e saltou para cima dele, pregando-lhe os pulsos contra o colchão e, descobrindo-o inanimado de olhos arregalados, deitou as mãos à cabeça, gritando aterrorizada:
— David!!! David!!! Ó meu Deus!!! Isso não David! Por favor, acorda, meu amor! David!!!
E apesar de toda a dor do mundo explodir naquele grito, aquela hora, ninguém a ouviu. Tetanizada pelo terror, nem o beijou. Correndo a levantar o auscultador, deu com os olhos no cartão que a ex-professora lhe deixara discretamente na véspera, discou o número.
— Alô? Alô? Oh! Pôr amor de Deus, despachem-se!...
— Sim, aqui é...
— Diga à D. Alice que a Marisa encontrou o David inanimado e precisa de um médico. Rápido!!! — berrou a tresloucada, desligando o telefone.
Picada por aquele grito lancinante, a criada perdeu a cabeça e entrou pelo quarto da patroa adentro, bradando aflita:
— Telefonaram-lhe a dizer que o David morreu, mas que fosse rápido com um médico!
— Quem, Amélia, quem?! — indagou a senhora incrédula, saltando abismada do leito.
E, ligando instantaneamente para o Hospital Militar, ordenou que dissessem ao Dr. Viegas que o David estava inanimado e lho levariam para junto da Giola. Depois, baixando e levantando o auscultador despachou o médico das urgências para o apartamento da ex-aluna, ameaçando-o de despedimento se, por negligência, não chegasse a tempo de salvar o filho do Senhor Ministro. E, vestindo-se à pressa, pegou nas chaves do carro, saindo de casa como uma desguedelhada, insensível ao reparo da criada.
Desaparecendo a toda a brida, ainda raspou o Citroen na carreta do jardineiro, mas nem olhou para trás. Dez minutos depois, entrava espavorida no apartamento, abraçando-se à Marisa que, lacrimosa, de pé, e também desguedelhada nuns jeans e numa blusa mal apertados, assistia às desesperadas tentativas de reanimação do médico. David parecia um anjo de calças. O seu rosto era iluminado por um sorriso plácido, caprichosamente irónico.
Auxiliada pela enfermeira que, por falta de ambulância, lhe cedera o carro, o médico colocou o doente sob transfusão e respiração assistidas e, sempre a auscultá-lo, pensando ver a esposa do ministro e a nora desguedelhadas, sugeriu timidamente:
— As senhoras arrumem-se que o helicóptero deve estar a chegar.
— Helicóptero, senhor doutor? — retorquiu a Marisa soluçante.
— Sim, durante a viagem avisámos os nossos superiores do sucedido ao filho do senhor ministro e, nestes casos, o Estado manda utilizar todos os meios de que dispõe.
— O David vai salvar-se?
— Bom, eu fiz o que tinha a fazer e tenho Fé...
— Saiam! — gritou o militar que segurava a dianteira da maca.
Enquanto os soldados amarraram o doente, elas pentearam-se à pressa e, fechando a porta, seguiram-no até ao helicóptero que se mantinha accionado no meio do asfalto da avenida. O médico entregou as chaves do carro à enfermeira e, ajudando os soldados, assentou ao lado do paciente, enquanto, por falta de espaço, as infelizes, depois de os mandar para o Hospital Militar, desapareceram no Citroen.
Vinte e cinco minutos depois, entrando no corredor para se abeirarem do quarto de reanimação, o Dr. Viegas diagnosticava-lhes uma tentativa de suicídio falhada. O moço, talvez psicologicamente afectado pelo estado da Giola, quisera ir ter com ela, mas a dose ingerida não fora suficiente para lhe causar lesões irreversíveis em nenhum órgão vital.
— Tem a certeza, Dr. Viegas?
— Absoluta! — respondeu categórico.
— Acalme-se, Marisa, que o Dr. Viegas sabe o que diz. Vá, venha comigo...
— Posso falar-lhe, doutor?
— Por enquanto não, mas logo que seja possível...
— E a menina Giola?
— Na mesma.
— Posso vê-la?
— Com a Dra. Alice, mas, por favor, não se abeirem muito dela.
— Obrigado, senhor doutor. Ah! só mais uma coisa...
— Diga, menina...
— Não, desculpe, era asneira...
— Asneira?!
— Sim, ideias malucas... — respondeu envergonhada, consultando a mãe da donzela.
— Sim, diga, Marisa, diga que fica entre nós, não senhor doutor?
— Certamente, Dra. Alice.
— Bom, — adiantou medrosa — como eu tenho a certeza que o David não se quis matar, Deus pode ter permitido que tal acontecesse...
— Deus?! Permitir um suicídio?! Não, isso é absurdo, menina! — cortou imediatamente o médico, parando o raciocínio da moça.
— Desculpe...
— Não, doutor, escute que a Marisa ainda não acabou, pois não?
— Oh! deve ser mesmo uma tolice! — retraiu-se intimidada.
— Então perdoe a minha precipitação, menina! Vá, por favor continue.
— E se Deus permitiu que tal acontecesse para eles ficarem mais perto um do outro?
— Mais perto?!
— Sim, doutor, o David anda muito abalado. Só fala em ir ver o que se passa do outro lado, em ficar no mesmo nível da Giola...
— Mesmo nível, senhora professora?!
— Sim, ao mesmo nível, doutor. Se eu bem entendo a Marisa, o David quer ficar em coma para poder comunicar melhor com a minha filha, Dr. Viegas.
— Coitado, o rapaz deve ver muitos filmes de ciência ficção! Daqui a um século, Dra. Alice, não digo que não se tentem experiências deste tipo, até porque a manipulação genética e a clonagem, que estão a dar os primeiros passos, também...
— Desculpe a minha insistência, Dr. Viegas, mas se eles se amavam de verdade. Oh! desculpe, Marisa! — bradou a D. Alice, fitando contristada a rival da filha.
— Por amor de Deus não se desculpe, senhora professora, porque não disse nenhuma mentira. Eu sei muito bem que o David nunca amou ninguém como a Giola.
— Então as senhoras estão sugerir-me que coloque o David em estado de coma...
— Deus me livre, doutor! — bradou aflita, arregalando os olhos para fitar melhor a ironia velada que pairava nos olhos do médico.
— Não se assuste, Marisa, que esse coma é superficial e tem sempre bilhete de ida e volta — explicou D. Alice, segurando-lhe as mãos.
— Ah! não digam que vão fazer experiências com o David! Não isso, não é justo, senhora professora, o David não lhe merece tal... E se as coisas correm mal e ele não acorda mais?
— A menina tem razão, mas falemos com o Senhor Ministro, que deve estar a chegar e aguardemos os resultados de todos os exames que estamos a fazer, como podem ver — disse sério, abrindo-lhes a porta do quarto de reanimação, onde vários médicos se atarefavam com tubos e máquinas à volta do doente.
— Vocês vejam lá o que vão fazer, doutor?! Olhe que com o frágil fio da vida não se brinca!
— Não se assuste que tudo correrá bem, menina, — insistiu o doutor, segurando-a pelo braço para lhe acalmar aquele agitado nervosismo.
— Por amor de Deus, não me agarre!
— Calma, Marisa, calma!
— Não, senhora professora, eu nunca quis sugerir nada disso! Eu só pensei que o David e sua filha ficassem ligados por uns fios... — choramingou espavorida.
— Sossegue! Eu juro-lhe que não tentaremos nada sem o seu vosso consentimento — afiançou a esposa do ministro.
E, olhando-se nos olhos, as mulheres abraçaram-se a soluçar. Comovido, o médico entrou no quarto de reanimação, deixando-as reconfortarem-se mutuamente até que os seus corações contritos anestesiaram a dor ululante que corria desesperadamente pelas suas veias.

Na sala contígua, Giola mantinha-se insensível àquele corrupio geral. Depois de uma noite em claro, o papá da donzela, que dormira apenas duas horas e fora ao Ministério do Interior entregar o relatório da sua missão ultramarina à secretária, a fim de o poder apresentar ao Presidente do Governo no mesmo dia, parecia louco. Foi aí que soube da maluquice do pretensioso e, apesar de todo o ódio que lhe tinha, activou imediatamente o plano de emergência utilizado para as personalidades do regime, mais para agradar à mulher que propriamente salvar o comunista que lhe enfeitiçara a menina dos seus olhos, para quem sempre sonhara o melhor partido de Portugal, o herdeiro de uma das maiores fortunas do país, um Mello, um Espirito Santo ou, quem sabe?, um dos filhos de Champallimaud.
— Olá!, querido! — exclamou a esposa consternada, beijando-o carinhosamente no rosto.
— Bom dia, menina...
— Marisa Belchior! Prazer em ve-lo Senhor Ministro — respondeu pesarosa, estendendo-lhe a mão.
— Marisa Belchior?! — retorquiu o ministro dubitativo, consultando a esposa.
— A professora Marisa Belchior é uma das minhas antigas alunas...
— Ah! Já nem me lembro, mas não se chamava também Belchior a tolinha que livrou o nosso figurão de uma grande surra no liceu, não?
— Essa mesma, senhor ministro — respondeu a intrépida.
— Ah! foi você quem... Sim senhor, a professora Belchior foi uma mulher muito corajosa, mas bem se vê que aquele rapaz não merecia tal sacrifício. Acreditem, ele não tem juízo!
— O senhor Ministro nunca falou com ele, pois não?
— Nem quero! — adiantou categórico, abeirando-se da cama da filha.
E ninguém mais ousou abrir a boca. Revoltada, Marisa olhou a professora e retirou-se para o corredor, onde cruzou o Dr. Viegas que corria aflito para junto do ministro. Espreitando para o interior da sala de reanimação, deu com os olhos na Fátima que, vendo-se livre da presença do chefe, lhe pediu que se despachasse. Sob transfusão, David dormia profundamente, mas via-se respirar.
— Eu sou a Fátima. Sossegue que o David está bem — balbuciou a enfermeira.
— Por favor cuide bem dele, Fátima. Desculpe, eu sou a Marisa e fui eu quem o descobri inanimado. Sabe, ele chegou na sexta-feira e estava comigo.
— Pronto, Marisa, agora é melhor retirar-se para o corredor e esperar pelo Dr. Viegas.
— Obrigada, Fátima!
— Coragem, Marisa, que o David é muito forte.
— Obrigada — balbuciou confiante, saindo pensativa.
Desesperada pelos trinta minutos de cismáticas deambulações pelo corredor, espiou as saídas das salas contíguas e espreitou para a sala de reanimação, pedindo à Fátima que lhe arranjasse um copo de água, pois, àquelas horas sem comer, começava a sentir tonturas. Proibida de abandonar o doente por um segundo que fosse, a enfermeira indicou-lhe a cantina. Menos de três minutos depois, Marisa abria novamente a porta e, dando com os olhos na Fátima a dar mimos ao doente, encostou-se à parede até que, largando a ilustre família por segundos, o Dr. Viegas lhe acenou da soleira da porta.
“ Uf! que alívio! ” — pensou para consigo, acorrendo lesta.
Apenas atravessou a porta, deu com os olhos no Senhor Ministro que, fitando-a envergonhado, lhe estendeu humildemente as mãos. Por detrás, a Dra. Alice piscou discretamente e, cruzando os lábios com o indicador, sugeriu-lhe que não contrariasse o marido. Percebendo aquele pst abafado, perguntou cabisbaixa:
— O Senhor Ministro que me deseja?
— Por favor levante-me esses olhos bonitos, porque se alguém os devia baixar...
— E quem é que aqui terá a coragem de os levantar, enquanto que eles não estiverem livres de perigo?
— Seguramente, senhora professora, morrendo a Giola, acabou-se a nossa razão de viver — acrescentou o ministro emocionado, consultando a esposa. - Sabe, nós passámos a vida a fazer planos, sobretudo para os filhos, mas nunca lhes pedimos opiniões, como se eles pensassem e sentissem do mesmo modo, como se os nossos desejos, quiçá os nossos orgulhos, os nossos ideais e os nossos conceitos de felicidade fosse o papel químico dos deles. Enganámo-nos redondamente e, infelizmente, quando nos apercebemos é demasiado tarde.
— Nunca deve ser tarde de mais, mas nunca o é de certeza no coração de uma mãe — balbuciou trémula, baixando os olhos para não encarar os da Dra. Alice que, comovida, pressionava as retinas contra um lenço branco.
— Que Deus a ouça, Marisa. Pronto, desculpe-me por há pouco e por favor escute o que o Dr. Viegas tem para lhe dizer, enquanto nós vamos tomar um café — disse confuso, deitando um olhar contrito à filha e dirigindo-se cabisbaixo para a saída.
Na passagem, a Dra. Alice encostou timidamente a mão no ombro da ex-aluna e seguiu o marido. Estático, o médico quase nem se atrevia a falar:
— O que é que o Dr. Viegas me quer pedir?
— Bom, a senhora professora conhece bem o impasse em que nos encontramos e a afectividade que liga o David e a Giola...
— Sim, paixão é o termo mais apropriado...
— A senhora professora sabe o que ele daria por ela...
— Sei, mas não temos o direito de aceitar tamanha generosidade alguém tão debilitado fisicamente.
— Provavelmete, omoço quis suicidar-se.
— Não, Dr. Viegas, eu já lhe disse que tenho a certeza que ele não tentou acabar com a vida. Suicidar-se é a única coisa que o David nunca fará!
— Pronto, pronto! — desculpou-se o médico envergonhado.
— Deixe falar-me a sós com o David, para saber toda a verdade e depois, se ele aceitar, faremos o que me pede. Está certo?
— Certíssimo.
E, pondo um ponto final à conversa, a professora adiantou-se ao Dr. Viegas e correu para junto do moço, entrando na sala de reanimação em bicos de pés. Porém, a enfermeira, que lhe limpava carinhosamente a testa suada, apercebeu-se de tudo. Acenando-lhe, a intrusa chamou-a para longe do doente e murmurou baixinho:
— Eu falei com o doutor e se a Fátima não se importar...
— Com certeza, Marisa. Olhe ficam aqui estes paninhos, o soro está bem, a..., sim...
— Obrigada, Fátima.
— Ah! para chamar ou pedir ajuda, carregue nesse botão vermelho.
— Obrigada!
E retirando-se discretamente, a enfermeira deixou a substituta abeirar-se do doente. Na soleira da porta ainda olhou para trás, mas, vendo a professora tirar uma máscara do lote pousado perto da janela, foi-se embora. Pegando num paninho branco, Marisa enxugou docemente a testa do dorminhoco e, alisando-lhe as sobrancelhas, segurou-lhe os dedos da mão direita, por a esquerda estar espetada com a agulha do soro. Depois, beijando-lhos amorosamente, balbuciou cabisbaixa:
— Se soubesses como te amo David! Nunca amei ninguém assim, sabes? Deves julgar-me uma tonta por ter esperado tanto tempo para conhecer o amor, mas valeu a pena, meu amor, porque a felicidade que me deste compensou todos os sacrifícios, frustrações e desilusões que possa ter tido com o gozo dos rapazes, sobretudo na faculdade, mas eu, provinciana e tímida, sempre tive medo de envergonhar a família, sobretudo a minha mãezinha. Um dia hás- de ir comigo conhecê-la a Penedono. Ah! Penedono?! Não sabes onde fica, pois não? Diante da nossa casa há um castelo, que remonta aos tempos dos árabes, onde me escondi muitas vezes e donde espreitei o céu azul, como uma princesa aprisionada, à espera do meu príncipe Valente, mas, no meu sonho, nunca o imaginei assim com os cabelos encaracolados e castanhos... David! Acordaste, meu amor?! — murmurou feliz, sentindo os dedos adónis roçarem-lhe levemente os lábios.
E, olhando-o instantaneamente, viu as lágrimas saltarem-lhe das pálpebras semicerradas, resvalarem sinuosamente pelo rosto pálido, infiltraram-se na boca entreaberta e escorregaram pelo pescoço.
— Não chores, meu amor, não chores! — implorou meiga, pousando o paninho debaixo do queixo para lhe aparar as gotas mais fluidas.
Depois, acariciando-lhe a testa e a fronte com os dedos, baixou-se para cruzar o seu olhar, mas ele, num esforço indómito, cerrou os lábios e, trancando as pálpebras, reteve por segundos o fluxo lacrimejante nas retinas, estancando-o com a tristeza que tinha na alma.
— Não tenhas medo que eu não deixo fazerem-te mal, David! Descansa, que estarei aqui o tempo que for necessário, meu amor — disse trémula, sustendo a emoção que sentia, enxugando-lhe cuidadosamente os olhos e o rosto.
Aliviado, ele abriu timidamente as pálpebras e, descobrindo a máscara, sorriu levemente. Depois, retendo a emoção, puxou-lhe as mãos de fada para a boca e, colando-as nos lábios ressequidos, beijou-as demoradamente, mimando um inaudível obrigado.
— Psch! Não fales que te cansas, meu amor!
Ele, amaciando-lhe os dedos macios, sorriu apaziguado.
— Depois contas-me tudo, David. Tu não quiseste morrer, pois não?
“ Morrer?! Não! ” — questionou-se atónito, arregalando os olhos e franzindo a testa, antes de menear negativamente a cabeça.
— Eu sabia, mas pronto. Olha, David, acalma-te e, por favor, escuta o que eu te quero dizer. A Giola está cada vez pior. A mãe e o pai dela estão desesperados, porque ela há muitas horas que não reage. Eu, pensando que Deus te mandou para aqui para a salvares, sugeri estupidamente ao Dr. Viegas que, se não houver perigo nenhum, te coloque ao lado dela...
Atento, David fechou os olhos e balançou afirmativamente a cabeça.
— Espera! Tu só a podes ajudar em coma artificial. Por favor, pensa bem, que as coisas podem correr mal. Apesar de todas as garantias do Dr. Viegas, eu tenho medo. Queres que eu telefone à tua mãe a contar-lhe o que aconteceu e a pedir um conselho?
“ Não! ” — respondeu afonicamente, meneando a cabeça e o indicador a pedir qualquer coisa para escrever.
— Então espera que eu vou chamar a Fátima — acrescentou serena, carregando no botão.
A enfermeira apareceu imediatamente na soleira da porta.
— Por favor, um bloco e uma esferográfica que o David quer escrever, Fátima!
— Certamente, senhora professora — disse sorridente, saindo ligeira.
— Fica tranquilo que, a partir de agora, o senhor ministro não voltará a chatear. A Dra. Alice e o Dr. Viegas devem tê-lo convencido a mudar de opinião, porque, depois de quase uma hora em que estiveram todos três junto da Giola, ele chamou-me e pediu-me desculpa. Certamente que já se apercebeu que te julgou muito mal, meu anjinho. Diz, não, não digas! Depois, quando tudo estiver resolvido queres ir comigo ver o castelo de Penedono?
“ Sim! ” — respondeu prontamente, esboçando um sorriso angelical.
— Segure isto, que eu vou levantar-lhe a cama — disse a Fátima toda risonha, mas ofegante.
— Calma, David, calma! — implorou a professora, vendo-o esforçar-se.
— O David é um manhoso. Ele já está bom e bem podia falar-nos, mas gosta de fazer sofrer as pessoas — acrescentou a enfermeira, sorrindo-lhe e inclinando-lhe uma almofada atrás das costas para o tronco quase atingir a vertical.
O doente empiscou-lhes e, pegando na esferográfica bic alaranjada que a Marisa lhe estendeu juntamente com o bloco escolar, escreveu na folha:
“ Telegrama para Luísa Macedo — Fiolhal — Murça: Mãe, chegou tarde, mas a felicidade é muito linda. Mil beijinhos! DAVID! ” e, empiscando à Marisa, arrancou-a e deu-lha.
Lendo-o num golpe de lince, a professora não resistiu e beijou-o de fugida na boca.
— Senhora professora!! — disse a enfermeira, tossindo corada.
— Desculpe, Fátima, desculpe! — exclamou envergonhada, afastando-se um pouco.
Sorrindo maliciosamente, David pensou um segundo e, caprichando a caligrafia, escreveu:
“ Mãe, Deus quis que a vida de uma menina muito bonita dependesse de mim. Por mim, ela, a Giola, a musa que me inspirou as poesias que estão no forro do quarto do mirante, tentou matar-se está em estado de coma. ”
E as lágrimas começaram a espreitar-lhe novamente nos cantos dos olhos, mas ele, cerrando os lábios e fitando-as, prosseguiu corajosamente:
“ Desculpe toda a tristeza que sei que terá se não me tornar a ver, mas é meu dever ajudar quem tanto deve ter sofrido para me amar. Se algo correr mal, não quero que chorem por mim, pois estarei seguramente no Paraíso. Também quero que saiba o meu anjo da guarda é uma mulher de sonho! A mãe já a conhece; é a Marisa, aquela professorinha, de quem lhe falei quando andávamos a sulfatar as vinha do Soutejais. Pronto, que seja o que Deus quiser! Não me despeço de ninguém, porque tenho Esperança que Deus seja Misericordioso e não me chame agora queme sei muito amado. David! ”
Comovido com o que acabava de escrever, e muito mais ao levantar os olhos e descobrir os olhos alagados do seu anjo lacrimoso, David bem quis puxar um pano para lhe enxugar as lágrimas, mas, sentindo o peito doer-lhe, esticou-se para trás para respirar melhor e foi acometido por uma dor de cabeça horrível que o obrigou a largar tudo e a segurar violentamente as fontes, soltando um ai tão estridente que o Dr. Viegas, a esperar no corredor, entrou de roldão na sala e as viu debruçadas sobre o doente.
— Que se passa?! — berrou furioso, dando com os olhos naquele trio abraçado.
— O David comoveu-se, esticou o peito, agarrou a cabeça e gritou, nada mais.
— Então David?
— Ai! depressa..., a Giola... — suspirou aflito, insuflando dificilmente e esticando a mão para se levantar.
— Por favor, ocupe-se dele, Dra. Marisa, que nós vamos ver do outro lado.
— Despache-se que a Giola está a afastar-se cada vez mais de nós — disse a professora, amparando e acalmando o doente.
— Coragem, tem que ser. Olha, dá esta folha à minha mãe, se eu não acordar.
— Por amor de Deus, não faças isso, David! Se soubesses como te amo!
— Eu também te amo muito, mas a Giola precisa de mim.
— Vá, agora, não demores muito, nem te deixes seduzir pelas Valquírias do outro mundo, se não queres que eu te vá lá buscar preso pelas orelhas...
— Não será preciso, tolinha! Não, por favor, não a leias, Marisa: é segredo!
Sorrindo-lhe meiga, beijou-o fervorosamente na testa e, dobrando a folha, guardou-a no bolso de fecho. E os seus olhos, fitando-se sérios, ergueram-se em uníssono ao Céu, numa derradeira prece fervorosa. Pouco depois surgiu o Dr. Viegas, atarefado, seguido como sua sombra por dois rapagões para arrastarem a cama do doente e duas enfermeiras ajudarem a transportar os frascos do soro e o tubo do oxigénio. Encorajado pelo beijo e pela presença da Marisa, ele não parou de sorrir. No corredor, cruzando o ministro e a esposa, acenou e disse confiante:
— Em vez de chorar, rezem para que eu a encontre depressa, D. Alice!
— Rezaremos, David, rezaremos! — exclamou a mãe lacrimosa.
Encarando a professora, o ministro murmurou baixinho:
— Obrigado por tudo, Dra. Marisa!
— É ao David que devem agradecer, Excelência!
E, adiantando o passo para chegar à altura do príncipe Valente. A mãe corajosa seguiu-os até junto da filha e, presenciando aquela manobra desesperada, rezou, rezou para que a grandeza de alma e a intrépida generosidade do rapaz não fossem vãs. De pé, Marisa cruzava os dedos e sorria para que ele não tivesse medo. Ligado o material, o Dr. Viegas abeirou-se e, apertando-lhe a mão, murmurou risonho:
— Não te esqueças que este bilhete é de ida e volta, mas ai de ti que voltes sem a nossa princesinha! Boa viagem e que Deus te ajude a encontrá-la e te dê a sabedoria suficiente para a convencres! Adeus! Ah!…
— Boa sorte, David!
— Obrigado, mas beijinhos não que a Giola é muito ciumenta, D. Alice! — respondeu o viajante, retendo-a afastada e empiscando ao marido que se curvava.
— Errar é humano, mas eu, pobre Ataíde de Almeida, abusei. Desculpa e até breve, David — disse o ministro confuso, apertando-lhe a mão.
— Então nem eu posso beijá-lo, meu senhor? — insistiu a professora corada.
— A mão, certamente, Lady Belchior — acrescentou altivo, oferecendo-lhe a direita.
Cativa, Marisa dobrou o joelho e, tal dama dos contos cavalheirescos, beijou-lhe o dedo anelar, mas não ousou olhá-lo uma última vez. Acenando ao Dr. Viegas, que cochichava com os assistentes, David fechou os olhos e disse:
— Pronto, quando quiserem...
— O David vai dormir, dormir profundamente e viajar, viajar muito longe. Depois, depois vai encontrar a menina Giola e falar-lhe ao coração...
— Basta, Dr. Felisberto, o paciente já não nos houve. Fátima, assente-se, olhe-os bem e... oxalá a transcomunicação se opere com êxito! — disse o médico, fazendo menção de se afastar.
— Senhor doutor?
— Sim, Fátima...
— Aconselhe a professora Marisa a dormir um pouco para me render quando for preciso.
— Ela não é enfermeira, nem... — retorquiu o médico intrigado.
— Veja lá, se a convence, porque a presença dela pode agir como um estímulo para o David e, por conseguinte, para a Giola também — insistiu a vigilante.
O Dr. Viegas sorriu e partiu. No corredor, convidou o ministro, a esposa e a professora para almoçar com a equipa médica, a fim de falarem sobre o prosseguimento da operação e, sobretudo, para desfazerem dúvidas, se as tivessem.
Depois de uma infrutuosa vigília de quatro horas, em que as senhoras foram a casa buscar roupa e objectos de toalete para uma prolongada estadia hospitalar, o Dr. Viegas aceitou que a mãe da doente ficasse junto da Filomena, a enfermeira que substituiria a Fátima, enquanto o marido ia a Lisboa apresentar o relatório da digressão africana ao Presidente do Conselho de Ministros ao palácio de S. Bento.
Cansada, Marisa fora repousar-se no quarto da criada da suite normalmente reservada às famílias das altas patentes militares e governamentais ali internadas. À meia-noite menos vinte, sentindo-se extremamente nervosa, ergueu-se, lavou-se e, penteando-se enquanto descia as escadarias, foi ter com a Dra. Alice e o marido que, vindo de helicóptero da Presidência, posto à sua disposição pelo Chefe de Estado, não quisera ir descansar sem esposa, em estóica vigia desde as vinte horas. Chegando em pés de lã, Marisa viu-lhes estampada nos olhos a decepção de tantas miradas sem resposta, de tantos pai-nossos vãos e de tantas promessas recusadas. Tristemente resignado, o ministro cedeu-lhe o cadeirão e, dando-lhe uma palmadinha na espádua, ofereceu a mão à esposa para se irem embora. A Filomena, que fora tomar um café à cantina, cruzou-os no corredor e, mesmo bastante acanhada, tentou reconfortar-lhes o moral, alimentando-lhes a chama da Esperança moribunda.
No interior, depois de uma olhadela contemplativa, em que saudou carinhosamente os refractários da vida, Marisa sentiu uma picadela no coração e, apalpando o seio esquerdo, aninhou-se no cadeirão para, numa contracção facial, resistir àquele estremecimento cardíaco, mas a dor persistia. E, erguendo-se toda corcunda, encaminhou-se para a saída. Ao agarrar a mãozeira, porém, tudo se evaporou como que por encanto. Aliviada, consultou o relógio de parede e, dando com os olhos na meia noite, voltou para trás, assentando-se distraída no cadeirão a apalpar o peito para ver se ainda lhe doía. Tranquilizada, ajeitou-se no assento e, respirando fundo, mentalizou-se para iniciar uma fastidiosa e monótona vigília até às quatro da manhã. E, pegando no laço que trazia no bolso, apanhou o cabelo e ajeitou-o em rabo de cavalo, sorrindo distraidamente para o passageiro do infinito, mas, sentindo um movimento ténue marear-lhe as retinas aéreas, arregalou os olhos e abriu a boca assombrada, erguendo-se de um salto.
Numa luta contra os demónios, só podia ser, David contraia fortemente os músculos faciais e cerrava os punhos; a respiração forçada fazia-lhe oscilar a caixa torácica; os dentes mordiam o tubo plástico que lhe abria a boca e os eléctrodos colados na testa vibravam intensamente, como se uma corrente de alta tensão emanasse daquele cérebro incônscio. Tetanizada por aquele esforço titânico, Marisa mantinha-se estática. Ela bem queria reagir também e carregar na campainha, mas as suas mãos não obedeciam à ordem cerebral; bem quis alertar as vozes no corredor, mas os sapatos não arredavam pé. E quanto mais o fitava, mais os olhos lhe saltavam das órbitas e mais intensas e frequentes eram as suas pulsações cardíacas, como se, fascinado por aquela feérica peleja, o seu coração não resistisse ao apelo que o cavaleiro do infinito lhe lançava desesperadamente.
Em cima da meia-noite, quando voltou para o seu posto para esperar o colega que a ia render, Filomena viu a professora adormecida no cadeirão e, achando o frasco de soro do mancebo estranhamente vazio, assustou-se, substituindo-o à pressa por outro.
No corredor, dando com os olhos na Fátima, exclamou espantada:
— Tu aqui?! Então não era o Alfredo que devia...
— Era, mas como dormi três horas e me sinto em forma, pedi ao Dr. Viegas para me deixar ficar até às quatro com a professora, com quem me apetece conversar um pouco.
— Sua coscuvilheira!
— É isso mesmo, Mena.
— Ah, a professora dorme como uma pedra.
— Dorme?! — retorquiu perplexa, entrando de roldão no quarto.
Filomena pensou um segundo, sorriu e foi-se embora.
— Marisa! Acorde, Marisa! — cochichou-lhe ao ouvido, sacudindo-a.
— Ai, deixe-me, estou tão cansada!
— Cansada?! Ainda chegou agora!
— O David bem tentou...
— O David?! Meu Deus, aquela maluca mudou de frasco e esqueceu-se de reatar a circulação! — disse alarmada, correndo a fazer ligação.
Tonta, a professora esfregou a sonolência e limpou o suor da testa, do rosto e do pescoço a um lenço.
— Tenho uma sede, Fátima!
— Espere um pouquinho, enquanto eu confiro se tudo está em ordem...
— Fátima! Fátima!!!
— O quê?! Ah!... — balbuciou estupefacta.
— Pst! Eles podem assustar-se!
E, arrebatadas pela perfeita simbiose com que aqueles dedos mendinhos se mexiam, não disseram mais nada. Pouco a pouco, os seus olhos viram maravilhados o movimento contagiar os presentes e os ossos da mãos e subir por eles acima até boca. Carregando discretamente na campainha, a enfermeira mimou um psch e saiu ante pé para o corredor, aconselhando silêncio absoluto à exuberante e emocionadíssima Marisa, cujas retinas se a marear de felicidade.
Avisado, O Dr. Viegas telefonou imediatamente ao ministro. Foi a governanta quem atendeu e lhe disse que o amo ainda não tinha chegado. Mal pousara o auscultador, a velhota sentiu a porta ranger e, dando com os olhos na patroa, exclamou aflita:
— O senhor doutor acaba mesmo de ligar para o seu marido! Por favor, telefone-lhe, porque aconteceu qualquer coisa.
— A Giola?! — indagou perplexa, sustendo a respiração.
— A Giola o quê, Alice? — perguntou o ministro, despindo o casaco.
— Não sei, Ataíde, o Dr. Viegas, presumo, acabou de ligar agora mesmo.
— O doutor não disse nada de especial, Piedade?
— Não, senhor ministro. O doutor deixou-me o número dele e insistiu para não me esquecesse de os avisar para lhe telefonasse apenas chegassem ou voltassem imediatamente para lá.
— Vamos.
— Oxalá o David tenha razão, Ataíde! — exclamou a esposa, unindo piosamente as mãos em prece e olhando o candelabro iluminado.
E, correndo para o Citroen estacionado diante das escadarias, desapareceram. O sono, que começavam a sentir, evaporou-se, substituído por antisomnífero visceral que lhes mantinha a sonolência amarrada nas masmorras do esquecimento.
Entretanto, chegados às mediações do hospital, os seus corações ululantes embalaram-se e desataram a bater sem nexo, mas sem doer. Diante das barreiras levantadas, o guarda mandou-os seguir com um sorriso contagioso. Mais adiante, o Dr. Viegas gesticulava exuberantemente. Amaciando a mão do marido, a D. Alice sorriu e, estancada a viatura, beijou-o no rosto.
— Milagre! Senhor Ministro, milagre!!! O David... — exclamou o médico, acolhendo-os jubiloso e dirigindo-se para dentro.
— Oh! louvado seja Deus, minha Nossa Senhora de Fátima! — gritou a mãe radiante.
— Parabéns, Dr. Viegas, jamais esquecerei o que o senhor...
— Com todo o respeito, Senhor Ministro, não é a mim que Vossa Excelência deve a vida da menina Giola... — respondeu o médico, estendendo humildemente ao pai da doente.
— Mas não, Dr. Viegas, mas não! — acrescentou o ministro, recusando a evidência.
— Ataíde! Até quando Ataíde?! — balbuciou a esposa carinhosa, tentando amainar aquele coração ingrato.
— Por favor, Senhor Ministro, a menina Giola tem uma percepção de tudo, apesar de ainda não falar, e qualquer decepção nesta fase pode fazêla recair irremediavelmente.... Além disso o moço ficou muito debilitado: está como uma pilha descarregada! Até parece que a corrente eléctrica passasse toda para a sua filha para a recarregar. Mas, atenção, senhor ministro, o único motor de arranque capaz de a reanimar, não tenha dúvidas, porque eu também já não as tenho, é o coração deste rapaz... muito audaz, diga-se em abono da verdade e quer se goste dele ou não. Por isso, se Vossa Excelência não consegue mudar realmente de atitude em relação ao David, deixe a Dra. Alice ir sozinha...
— Francamente, Dr. Viegas, o senhor tem mesmo a certeza que este milagre se deve a esse rapaz ou...
— Absolutamente, Senhor Ministro! A Giola poderá restabelecer-se e até compreenderá que o David tem o direito de amar outra pessoa, mas se sentir que os senhores o hostilizam, então obstinar-se-á e ninguém mais lhe valerá...
— Não, isso não, doutor!!!
— Então...
— Que Deus me perdoe — murmurou o ministro, cabisbaixo.
— Errar é humano, querido! — cochichou a esposa, sorrindo-lhe meiga.
Chegando diante da porta, os pais da doente olharam-se e, respirando fundo, entraram em fazer barulho. Virando-se, a Marisa e a equipa médica, especialmente a Fátima, que sempre acreditara naquele momento, explodiram num sorriso do tamanho do mundo. Abeirando-se da filha, o ministro e a esposa sorriram e viram que a ela fechara os olhos envergonhada. Segurando-lhe carinhosamente os dedos, beijaram-nos amorosamente, roçando-os nos rostos ardentes de vergnoha.
— Louvado seja Deus, Giola! — exclamou a mãe lacrimosa, afagando-lhe a mão gelada.
— Pregaste-me cá um susto, filha! Perdoa-me por tudo, se puderes, e nunca te esqueças que, com todos os meus defeitos, eu te amo muito, Giola. A partir de agora tudo será diferente...
E, abeirando-se-lhe do ouvido, a mãe sussurrou-lhe:
— Realmente o David é um anjo, filha. Ai, se soubesses como eu e o teu pai estamos arrependidos e envergonhados! Pronto, recupera rápido para falares com ele. Coitado, apenas soube que tu estavas aqui quase enlouqueceu...
— Da – vi... — balbuciou levemente, abrindo parcialmente os lábios.
— O David dorme, mas está livre de perigo, filha. Fique descansada que o teu papá e eu temos a intenção de o convidar para passar uma semana connosco lá em casa. Sabes, o David é moço muito corajoso, Giola. Ele nunca quis acreditar que te fosses embora sem lhe dizer adeus...
— Pa..., ai!
— Vá, por favor, não fale, menina! — implorou o médico, sentindo-a debilmente aflita.
Comovida, Giola não reteve as lágrimas e começou a chorar sempre de pálpebras cerradas; os pais, arrastados por aquele turbilhão emocional, abraçaram-se e, envergonhados pelos olhares confrangedores e acusadores dos presentes, saíram para o corredor a enxugar os olhos alagados; enquanto a enfermeira Fátima, condoída, acariciava a doente e lhe secava os olhos para que as retinas não ardessem, Marisa segurava carinhosamente as mãos do intrépido principezinho, na esperança de o ver abrir os olhos e sorrir.
Finalmente, depois de duas horas de beato silêncio, remetida do susto e encorajada pelos carinhos maternais, Giola soletrou:
— Á - gu- a!
Acorrendo lesta, a enfermeira pegou na solução preparada pelo médicos e molhou-lhe os lábios ressequidos. Pouco a pouco, o rosto da doente perdeu a cor amarela esbranquiçada da morte e os dedos, aquecidos pelos lábios e o amor da mãe, absorvendo o calor daqueles corações vigilantes. Ora sonolenta, ora despertada, Giola não disse mais nada até que sentiu o David acordar atordoado, erguer-se na cama e sorrir para os anjos da guarda. Marisa bem quis ir beijá-lo, mas, vendo que Giola tentava virar-se na cama, reteve-se estática, empiscando-lhe apenas. O ministro, que se abeirara para se despedir da filha, afastou-se para longe. Encostadas as camas, Giola procurou o brilho dos olhos do seu anjo de luz e estendeu-lhe a mão para que ele lha segurasse como quando se encontraram lá longe, nas margens do infinito.
— Esta teimosinha andava perdida nos labirintos do limbo...
— A lâm - pa - da! A lâm..., ai! — balbuciou baixinho, fechando os olhos para mimar o resto das palavras retidas no coração.
— Eh!, vocês podem virar-se todos para o lado, podem?
— Claro, meu filho! — exclamou a D. Alice meiga.
— Está a ouvir, Giola, a tua mamã quer adoptar-te um irmão...
— David, meu...,
— Não chores, Giola, que um irmão também tem coração! — adiantou jovial, empiscando-lhe sorrateiramente, antes de lhe largar os dedos para que ela enxugasse as lágrimas.
A D. Alice, sentindo-a soluçar, virou-se e foi reconfortá-la, cochichando-lhe ao ouvido:
“ O David será o que Deus quiser, filha! ”
Giola esboçou um sorriso e colou os lábios no rosto da mãe que lho devolveu na testa. David, acenando à Fátima, pediu-lhe que lhe retirasse todos os fios que ainda ligados no corpo e o ajudasse a vestir-se e a calçar-se para se ir embora.
Percebendo-lhe a mensagem telepática, Marisa retirou-se para o corredor, cruzando o olhar apreensivo do ministro. Esticando-se para esticar os músculos entorpecidos, David abeirou-se da doente e sorrindo-lhe meigo, adiantou carinhoso, beijando-a fraternalmente na testa:
— Agora a maninha cuide-se, porque eu tenho que ir a Coimbra matricular-me na faculdade e, quando voltar, quero falar muito consigo.
— David, eu...
— Psch! eu sei Giola! — acrescentou sorridente.
— David, eu...
— Pst! Diga mais nada que eu compreendi tudo, minha... Oh, cá estou eu a chorar novamente! Pronto, Fátima, cuide bem dela e chame-me logo que ela esteja bem bonita para receber uma beijoca como deve ser e sobretudo consiga andar sozinha, mas antes não. Ah, a menina pensa que o papá e a mamã... Olhe que eu tenho a quem sair: sou um mano muito mauzão! Vá, coragem, que o corpo vai, mas o pensamento fica, Giola! — disse comovido, roçando-lhe o indicador nos lábios ressequidos.
— David!
— Psch! não diga tolices e durma, menina! — ordenou sério, acenando risonho.
E não disseram mais nada. A D. Alice beijou-a e murmurou:
— O David precisa de descansar, Giola. Vá, não te aflijas que eu volto daqui a duas ou três horas com uma roupa nova para irmos embora. O Dr. Viegas aceita transferir-se contigo para nossa casa. Claro que a Fátima também irá, filha! — murmurou rouca, sentindo-a aflita a acenar à enfermeira. — Quanto ao papá, tu perdoa-lhe, filha, porque ele está a sofrer muito e, como medo de parecer mole... Vá, fica com Deus que eu não demoro, meu amor! — disse a mãe beijando-a demoradamente na testa.
— Mamã, o Davi... — balbuciou aflita, franzindo a testa.
— Não chores, filha, que o papá já mudou de ideias. Vá, sossega que eu também adoro o David. Até logo, Giola! — disse meiga, atirando-lhe um beijinho.
No corredor, o ministro falava baixinho com a professora, enquanto o moço convalescente, ainda mal curado daquela assustadora viagem, cismava com um não sei quê de mistério e atrocidade, como se um dilema cruel lhe estivesse a flagelar o coração. Reconfortado pela D. Alice, que lhe cochichou qualquer coisa ao ouvido, David esboçou um sorriso tímido e, amparado pela professora, seguiu o ilustre casa. À saída foram saudados pelo Dr. Viegas, que os acompanhou até ao Citroen, os tranquilizou quanto ao estado da Giola e lhes desejou boa viagem, quase ignorando intrépido rapaz, a quem lançou um aceno discreto, quando o ministro se instalou ao volante.

Durante o trajecto, a D. Alice, que se assentara no banco da frente ao lado do marido, ainda se virou para trás para agradecer ao moço, mas, vendo-o dormir no regaço da ex-aluna e comovida com a ternura com esta afagava os caracóis do moço, a garganta trémula emudeceu-se-lhe. Adivinhando os pensamentos da colega e quem sabe?! talvez usando o sexto sentido, Marisa murmurou apenas:
— Amor com amor se paga, senhora doutora!
E, ninguém contrariando as sapientíssimas palavras, lá continuaram calados até S. João, onde se separaram sem dizer mais nada. Sonolento e enjoado pela sinuosidade do percurso, David respirou dificilmente, fingindo-se mais doente ainda, para ver até onde chegava a coragem da Marisa, em cujos olhos se confundiam os raios negros da noite com os clarões rubros do pôr do sol.
— Consegues caminhar ou... Se for preciso pego-te às costas, David! — disse a professora condoída, segurando-o corajosamente pelo braço.
— Obrigado, Marisinha, mas eu não estou tão mal como pareço — confessou envergonhado, roçando-lhe os dedos pelos lábios. — O que eu quis foi evitar o ministro...
— Vem, David, que se calhar estão a ver-nos...
— Ah! A menina tem vergonha de mim!
— Não digas tolices que eu estou com pressa! — sussurrou baixinho, correndo para o elevador, para se esquivar aos olhares indiscretos dos vizinhos.
— Espera por mim, Marisa! — berrou decepcionado.
Insensível àquele grito, a professora enfiou-se no elevador e refugiou-se apressadamente no apartamento, largando a porta entreaberta. Vagarosamente pensativo, o adolescente nem se apercebeu que a vizinhança o olhava como quem vê uma alma do outro mundo. Entrando em pezinhos de lã, David foi estatelar-se no sofá de barriga para o ar a olhar o tecto e a filosofar com a fragilidade da vida, depois daquele susto matinal. Olhando à sua volta e pensando em tudo o que via, nas paixões e nos projectos de vida, viu quão débil e ilusória é, verdadeiramente, a nossa passagem pela efémera existência carnal e, amedrontado, arrepiou-se, aninhando-se de bruços a fitar o veludo castanho, por onde deslizavam todas as imagens de luz e candura colhidas durante a sua viagem pelo limiar da eternidade.
Julgando-o adormecido, Marisa cobriu-o com um cobertor e, sentindo fome, fritou um ovo que comeu com o resto do pão que havia no saco dos moletes. Depois, fervendo um púcaro de leite, tirou uma chávena de porcelana do armário e abriu uma caixa de bolachas. Abeirando-se do sofá, ajoelhou-se nas costas do dorminhoco, mas, sentindo-o soluçar, balbuciou comovida:
— Também tu, David?!
— Oh, deixa-me chorar!...
— Porquê, tolinho?
— Faz-me bem...
— Mas não, David, chorar assim, não deve consolar ninguém, pelo menos a mim...
— Talvez, mas eu estou com tanto medo!...
— Medo?! De quê? O perigo já passou!
— Não, o perigo começou agora, Marisa.
— Sinceramente, não te entendo, David, mas vá, deixa-me secar-te essas lágrimas que hoje já se chorou de mais.
— Eu sei, meu amor, eu sei! — exclamou carinhoso, agarrando-lhe e beijando-lhe fervorosamente a mão que se preparava para lhe limpar o rosto e as retinas.
— Oh! quando acordaste, o que viste já não foi nada. Se soubesses o susto...
— Nunca imaginaste que algum dia pudesse chorar assim por alguém, pois não?
— Nunca, David!
— Pois é...
— Bom, por amor de Deus não falemos mais disso que me arrepio toda! — implorou meiga, estremecendo o tronco e mostrando-lhe a pele eriçada.
— Tu foste muito corajosa, Marisa. Não digas nada porque eu vi e senti tudo: a tua aflição, as tuas lágrimas, os nervos, o olhar desvairado e até ouvi as palpitações do teu coração angustiado, quando me seguraste a cabeça e me colaste os lábios contra os mamilos. Se soubesses como me apeteceu mordê-los... — acrescentou mimalheiro, segurando-lhe a cabeça e secando-lhe com os dedos as lágrimas que lhe resvalavam sorrateiramente pelo rosto.
— Oh, não apeteceu nada!... — disse soluçante, sorrindo envergonhada.
— Tu bem sabes que eu gosto muito de ti, tolinha.
— Pois, mas não me amas...
— Sei lá se te amo! Eu ainda nem sei o que é o amor, Marisa!! O que eu sei é que te desejo como nunca desejei ninguém e, agora que te desvendei até à alma, não concebo mais a vida sem este corpo tão gostoso que quanto mais o beijo, mais o desejo... Será que a senhora professora ainda não viu que eu estou louco por si?! — indagou submisso, cerrando as pálpebras para que a incredulidade feminina não intimidasse e confundisse a sinceridade dos seus olhos tímidos.
— Mesmo?
— Mas que raio de mulher és tu para me enfeitiçares assim? Não me drogaste, não?
— Vem tomar o café... — cochichou radiante, beijando-o de fugida na boca e oferecendo-lhe a mão para o ajudar a levantar.
Erguendo-se lentamente, David despiu a gabardina, que ela pendurou no bengaleiro e, a cambalear, foi lavar o rosto no lavabo do quarto de banho. De volta, deu com os olhos na caixa dos comprimidos e, focando o 3x, recordou imediatamente o instante em que, sonolento, tomou os comprimidos por engano, dizendo macambúzio:
— Aqui estão os malditos comprimidos que iam atirando para o outro mundo.
— Não penses mais nisso que, pensando bem, até nem foi assim tão mau, David - acrescentou filosoficamente a professora, servindo-lhe o café.
— Pois, salvámos a Giola... — deduziu prontamente, esboçando um sorriso nostálgico.
— E eu descobri que te amava de verdade — adiantou a professora, sorrindo radiosa.
— Como diz a minha mãe... Ah, a minha mãe!... Desculpa, mas tenho que lhe telefonar!
— Então, porque esperas?
— Ora, deixa-me cá ver... Não, não é preciso, o número do Filinto é o cinco dois três dois, zero, é isso mesmo! — disse taciturno, franzindo a testa e discando o número que sabia de cor.
— O que diz a tua mãe, David? — volveu a curiosa.
— Que há males que vêm por bem... Psch! é o senhor Filinto?
— Sim, David, olha..., espera, parece que foi a tua mãe quem passou agora ali... Luísa! Ó Luísa! — berrou esganiçado, largando o auscultador sobre o balcão e correndo a espreitar para o vulto que seguia rua abaixo.
— Chamaste por mim, Filinto? — perguntou a mãe, virando-se surpreendida.
— Corre, rapariga, que o David está ao telefone.
— Ainda bem, porque já estava a ficar preocupado com ele, Filinto — desabafou a prima, do taberneiro, correndo a segurar o auscultador.
— Mãe, é a senhora, mãe?! - questionou o jovem emocionado.
__ Mas que se passa, David? Pregaste-me cá um susto! Afinal quando vens, filho?
— A mãe sabe que a filha do senhor ministro quase morreu, sabe?
— Ai era isso! Eu, por acaso ouvi falar dum ministro, mas nunca me passou pela cabeça que tu pudesses conhecer um homem assim tão importante, filho!
— Pois, a filha dele, a Giola...., foi por causa dela que eu apanhei aqueles murros no dia do meu exame de história e vim a conhecer a professora Marisa...
— Ó Filinto, vai aviar-me uma posta de bacalhau, mas escolha-ma do bom, não me dês uma dessas pelicas que se desfazem mal apanham uma fervura.
— Esta tarde o Leites de Jou me trouxe-me cá uma caixa...
— Vai e escolhe-o bem — ordenou apressada, despachando o taberneiro para confidenciar baixinho: — David, tu ainda estás com a professora? Tu vê lá o que fazes, filho!
— Não se preocupe, mãe que ela sabe o que faz. Olhe, pronto, um beijinho...
— Quando vens, filho? Ainda tens dinheiro, David?
— Sim, adeus...
— Adeus, filho! — respondeu a senhora Luísa, segurando orgulhosamente o auscultador, com um sorriso malicioso nos olhos.
Espreguiçando-se demoradamente, o estudante inspirou, inspirou, mas a caixa torácica nunca mais se enchia, como se o oxigénio se consumisse antes de chegar aos alvéolos pulmonares.
— Como é a tua mãe, David? — perguntou a curiosa, temperando-lhe o leite.
— Fisicamente, Marisa?
— Não só...
— Oh, a minha mãe é muito linda, Marisa! Coitada, nasceu num berço de ouro, mas sorte foi muito madrasta para ela... — disse entristecido.
— Então? O teu pai não a trata bem?
— Mal não lhe faz, confia-lhe tudo, mas...
— Desculpa, se te incomodei...
— Não, não, Marisa, sou eu que...
— Que?...
— Que tenho que ele arranje por lá alguma amante e a faça cometer...
— Pronto, não falemos mais de coisas tristes...
— Também acho, Marisa... Ah! a senhora Luísa Macedo é franzina, com os cabelos negros compridos, meio frisados e o olhar profundo; também é muito tímida e introvertida; uma ingénua com o coração de ouro...
— Depois não te esqueças de me mandar uma foto dela.
— Fica descansada que te meterei uma com dois ou três anos que fizemos no Foto Albano em Murça para enviar-mos ao meu tio Toninho que está no Rio de Janeiro, no Brasil.
— Ah bom?! Eu também tenho vários tios no Rio de Janeiro.
— Onde?
— Na Tijuca. Eles dizem que é um sítio muito bonito, tão bonito que a corte Imperial o escolheu para residência, quando o nosso rei D. João V teve que fugir para o Brasil por causa das invasões francesas.
— A minha tia Adélia, de quem eu gostava muito e que casou há pouco tempo com um sujeito de Braga, não sei onde habita, mas o meu tio Toninho mora em Rocha Miranda. com a minha avó Marquinhas Rosa, a única pessoa que não me desejou a morte quando apanhei a febre malta, aos onze anos...
— Mesmo?! Não me digas que a tua mãe...
— Não, não é isso, Marisa! Nessa altura eu estava no seminário de Vila Real e os meus pais moravam na Barroca Grande, nas minas da Panasqueira com os meus irmãos. Nas férias grandes, fiquei em casa do senhor abade, que é muito nosso amigo, e tive uma recaída. As criadas dele, a senhora Marquinhas e a menina Júlia se levantava todas as duas horas para me dar os comprimidos que o Dr. Calvão me receitou, é que dizem que as minhas tias só sabiam dizer: “ era uma obra de misericórdia, se Deus o levasse! Cada assim ele é tão franzino que nunca mais vai lograr saúde!...”
— Oh! não seria por mal!
— Seja como for, dizem a senhora Marquinhas e a menina Júlia, a mãe do meu pai era a única a acreditar na minha cura.
— Na minha terra...
— Em Penedono, não é?
— Sim, mas quem te disse que eu era de Penedono?
— Foste tu, Marisa.
— Pois, já me esquecia!... — recordou aérea, entre dois golos de café.
— Só não me disseste como era o príncipe encantado com quem sonhavas...
— Ah, o meu príncipe Valente devia ser um mouro com os cabelos compridos, lisos, cor de breu e moreno como os homens do deserto...
— E misturaria, porventura, uma catolicíssima princesa o seu sangue ao de um infiel maometano?, quiçá descendente dos sarracenos que lavaram os alfanjes no sangue do nosso tão Desejado rei D. Sebastião em Alcácer-Quibir?
— Quem sabe? o amor é tão cego...
— Ah! então se calhar estou a precisar de óculos!... — acrescentou irónico, espirrando uma golfada de café para o guardanapo, que apanhou rapidamente.
— És muito tolinho, David!
— Ceguinho, Marisa, ceguinho! - corrigiu prontamente, fechando os olhos e estendendo as mãos, como quem joga à cabra-cega.
— Realmente és bem tolinho! — exclamou risonha, desviando-lhe a ponta dos dedos dos seios e mordendo-os delicadamente. — Vá, come que o café arrefece -— disse feliz.
E, foi num abrir e fechar de olhos que ele esvaziou a chávena e engoliu os biscoitos. Depois, excitado por aquele sorriso malicioso com que ela o olhava, ajudou-a a lavar a louça e a arrumar a cozinha, antes de se trancar no duche, para evitar o confronto que a tumescência lhe reclamava irracionalmente.
Recordando as palavras cautelosas Dr. Viegas, a professora impôs-lhe uma abstinência sagrada, proibindo-o de a tocar naquela noite, mas, ao fim de uma hora de vigília, como ele não dormisse ainda e a desenfreada virilidade a excitasse terrivelmente, lá lhe consentiu um coito fulgurante que o fez adormecer placidamente em menos de cinco minutos.



Luís Macedo Martins Pereira - Lud MacMartinson - Luxembourgo, 1979
nb: romance inédito e não corrigido !!

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