quinta-feira, 26 de maio de 2011

A conspiração - I Quid?

A Conspiração - Captítulo I - QUID !



Envoltas nos derradeiros resquícios de negridão, duas gabardinas cinzentas largaram o armazém e, céleres, atravessaram a pista de olho fino e pé ligeiro, rumo ao canto escuro, onde os holofotes de vigilância, que, de dois em dois minutos, iluminavam meticulosamente os pontos nevrálgicos da base aérea, não chegavam.
Imobilizando sorrateiramente a avioneta no terreiro, o piloto desligou o motor e abriu a porta ao passageiro que, mal teve tempo de lhe acenar, tamanha era a pressa dos capangas, que, manu militari, lhe assaparam as manápulas, sem o saudar nem lhe perguntar se fizera boa viagem.
Impondo silêncio ao passageiro, um deles surripiou-lhe a pasta de couro negro, enquanto o outro, agarrando-o pelo braço, o obrigou a forçar o passo e a seguir no seu encalço. Entretranto, estacionado há horas numa viela deserta, o motorista do boca de sapo, cansado de contar os segundos e de espiar o fulcro do horizonte vezes sem conta, começou a ficar nervoso e roer as unhas de desespero: é que, se tiros não ouviu, dos camaradas nem sombra ou cheiro nauseabundo, e já lá iam duas horas. Farto de mirar em vão e de respirar o ar viciado da cabina, preparava-se para acender um cigarro no bréu nocturno, quando um estalido metálico quase lho fez engolir. Depois, dando-lhe um safanão colérico, o chefe intimou-lhe que se pirasse dali. Dando à chave e accionando a ignição do Citroen, o chofer acelerour e, arrancando a toda a brida, levantou uma nuvem de poeira que, iluminada pelos faróis do boca de sapo, criou à sua frente uma ilusória aurora boreal. Calados como ratos, dos passageiros, nem tuge nem muge!

Entretanto, algures, a uma centena de quilómetros de Beja, num bar de alterne, dois noctívagos, visivelmente agastados com a presença do último cliente, a quem não paravam de intimidar com aqueles olhos coléricos, urdiam nervosamente a sua teia. Foi então que um deles, apercebendo-se que o pamonha-macambúzio cobiçava as pernaças da espanhola de serviço, se ergueu e, cochichando ao ouvido da chica, enfiou-lhe discretamente uma quinhenta no slip, antes de retornar discretamente para junto do comparsa. Ainda se acomodava no sofá e já o intruso seguia, tal cão esfomeado, a meretriz por quem a indomável tumescência batia a continência há mais de duas horas.
Empiscando ao barman, encomendaram-lhe uma garrafa de champanhe, que ele retirou maquinalmente do frigorífico, colocou num balde de gelo e entregou à rainha do pub, uma húngara, que a patroa lhe despachara discretamente do salão VIP, onde costumava receber destinado aos seus fiéis e generosos protectores. Toda charme e sedução, a loira não se fez rogada e, derreando-se lentamente, expôs-lhes graciosamente os generosos contornos erógenos, antes de retornar langorosamente ao balcão para buscar as duas taças que o garçon acabava de limpar...

Quase simultaneamente, mais a norte, num bingo clandestino, um quarentão sisudo e com cara de poucos amigos, dava de olhos a dois mariolas e, sentando-se à frente deles, enfiava-lhes discretamente na mão um embrulho de papel, que o matacão metia sorrateiramente no bolso da gabardina. Depois, apertando a mão ao ilustre comanditário, empiscou ao comparsa, que, levantando-se de um pulo, o seguiu sem pestanejar por entre a balbúrdia gananciosa dos apostadores.
Erguendo o braço, o senhor encomendou um duplo whisky seco, que a servente lhe entregou insinuante. Retirando da carteira uma nota, ele pagou-o e, bebendo-o de um trago, retirou-se tão perturbado que até se esqueceu de receber o troco, deixando a moça embasbacada a olhar para a porta, por onde ele se sumiu.

Enquanto uns tramavam na escuridão e outros se divertiam com a Conspiração !...



LMP - Luxemburgo, 1981 - A Conspiração !

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